Mitos, máscaras e espelhos constroem mundo à parte nas obras de Joan Jonas

Pioneira da performance e da videoarte, a artista americana realiza agora a sua primeira mostra individual no país

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São Paulo

Pode parecer contraditório que a primeira mostra individual de Joan Jonas no país, uma das pioneiras da performance, não exibiria nenhuma performance ao vivo, mesmo antes da pandemia.

Mas a americana de 84 anos diz que, muitas vezes, a performance é só um ponto de partida. "São como oficinas de ideias. Sempre mudo, altero, desenvolvo", diz, sem rodeios.

Esse processo contínuo de adaptação e evolução pode ser observado em toda a exposição que ela apresenta agora na Estação Pinacoteca. Ali, versões novas e antigas de um mesmo trabalho convivem, e uma única obra mescla partes filmadas em anos diferentes.

Não é à toa que Jacopo Crivelli Visconti, à frente da Bienal de São Paulo deste ano, compara o método da artista com o da edição atual do evento, baseada no conceito de ensaio. Jonas não só participa do evento no ano que vem —a mostra de agora integra sua programação paralela—, como um vídeo seu dá nome a uma mostra que a organização abre em meados de novembro.

Já o nome da exposição da Pinacoteca, organizada por Berta Sichel, é “Joan Jonas: Cinco Décadas”. Apesar do subtítulo, ela deixa de fora alguns dos trabalhos mais conhecidos da artista e destaca os mais recentes –duas das três grandes instalações são dos anos 2010.

Ainda assim, os elementos que sempre se repetem na trajetória da americana estão ali –mitos, máscaras, espelhos.

Jonas localiza o aparecimento desses temas na sua prática no início da sua carreira, na década de 1960. A mitologia, afirma, vem da sua formação em história da arte. As máscaras, do teatro nô japonês. E os espelhos, de um livro de contos de Jorge Luis Borges que a inspirou a criar uma de suas primeiras performances.

"Desde o começo, o espelho era ao mesmo tempo uma metáfora e um objeto cênico, alterando os espaços em reflexos", afirma. "E o vídeo é um espelho contínuo", acrescenta.

Na mostra, o tema da mitologia é mais visível em "Volcano Saga", a saga do vulcão, inspirado numa lenda islandesa.

Já o restante das obras se volta para os espelhos e a questão da representação. É o caso da maioria dos vídeos dos anos 1970 e 1980 exibidos. Ou ainda de duas outras grandes instalações, "Moving Off the Land", saindo da terra, e "Stream or River Flight or Pattern", algo como riacho ou rio voo ou padrão.

Nelas, filmagens de animais marinhos e de cenas registradas em diversos países são projetadas em telas brancas. Crianças e adultos brincam com as projeções, distorcendo as imagens por meio de redes, canetas, pedaços de cartolina.

Esses vídeos, aliás, representam um dos momentos mais lúdicos da exposição, lembrando o visitante do potencial de encantamento da imagem em movimento depois da fadiga de telas desses meses.

Jonas diz que ela mesma não sofreu com o problema na quarentena, já que só usou o computador para falar com amigos e dar entrevistas. Mas admite que passou a entrar mais no Instagram. "Não estou interessada em postar retratos de mim mesma, mas no que se diz com uma imagem."

Faz sentido que Jonas não esteja muito interessada em selfies. Mesmo que sua mostra não siga uma cronologia, é possível observar que os trabalhos mais antigos da artista, muito centrados no seu próprio corpo, deram lugar a cenários cada vez mais distantes dele e da sua Nova York natal.

"Fiquei cansada de mim mesma", afirma a artista, com um sorriso. "Mas um colega, também artista, me disse a mesma coisa, que eu antes olhava para mim e agora olho para o mundo. A tecnologia tem muito a ver com isso, com as câmeras de vídeo."

É interessante, inclusive, como uma obra com temas tão relacionados à identidade se desenvolveu de modo a não se enquadrar facilmente nas discussões sobre políticas identitárias que dominam a arte do momento atual.

"Honestamente, não vou por aí", diz Jonas. "Mas estou muito interessada no que artistas fazem hoje nesse sentido. Há uma grande liberdade."

Joan Jonas: Cinco Décadas

  • Quando Seg., qua. a dom.: 14h às 18h. Até 8/2
  • Onde Pina Estação - lgo. Gen. Osório, 66, 4º andar, Santa Efigênia, região central
  • Preço Grátis (agendamento)
  • Classificação Livre
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