Descrição de chapéu The New York Times

Museus da Europa reabrem, mas continuam vazios e amargam crise histórica

Frequência em algumas das maiores instituições culturais do mundo caiu para um terço do nível do ano passado

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Pessoas veem obras no museu e piso é marcado com fita adesiva amarela

O piso do Hermitage, em Amsterdã, na Holanda, está marcado com fita adesiva para ajudar os visitantes a manter o distanciamento social, devido ao novo coronavírus. Foto tirada em 14 de outubro de 2020 Ilvy Njiokiktjien/The New York Times

Nina Siegal
Amsterdã | The New York Times

Os visitantes das vastas galerias arcadas do Rijksmuseum, que abrigam quadros dos grandes mestres da pintura holandesa, sentem agora que têm o museu só para eles. Antes da pandemia, cerca de 10 mil pessoas por dia iam à instituição, em Amsterdã. Hoje, ela vem recebendo só 800 visitantes por dia.

Em teoria, mesmo com normas severas de distanciamento social —os visitantes precisam fazer reservas com antecedência, seguir percursos preestabelecidos e manter distanciamento de pelo menos dois metros dos demais visitantes—, o museu nacional holandês poderia receber pelo menos 2.500 visitantes por dia. Mas o público não está batalhando para atinigir o limite de ingressos disponíveis à venda.

Homem e mulher olham armadura
Visitantes do Rijksmuseum, em Amsterdã, na Holanda, em 10 de outubro de 2020, olham obra em exposição - Piroschka van de Wouw/Reuters

Do lado oposto da cidade, o Hermitage, prorrogou uma mostra de joias imperiais da coleção estatal russa, que no ano passado vinha atraindo 1.100 visitantes por dia. Agora, o museu limitou a oferta diária de ingressos a 600 e está vendendo só metade desse total.

À medida que as instituições culturais reabrem as portas nos Estados Unidos, com novos protocolos devido ao novo coronavírus, muitas vêm buscando exemplos na Europa, onde numerosos museus estão abertos desde maio para antecipar como o público pode responder ao convite de um retorno. Até agora, não parecem existir muitos motivos para otimismo.

Quase todos os museus europeus estão sofrendo perda de visitantes, mas sua capacidade de enfrentar a situação depende quase inteiramente de como são custeados. Instituições bancadas por verbas governamentais conseguem encarar a tempestade, com algumas medidas de contenção de despesas, enquanto aquelas que dependem de vendas de ingressos estão diante de escolhas mais difíceis. Muitos museus estão demitindo pessoal e reestruturando seus modelos de negócios.

As informações sobre o número de visitantes em toda a Europa revelam uma história bastante coerente: os museus que reabriram vêm recebendo cerca de um terço dos visitantes do que recebiam no ano passado. O Louvre, em Paris, vem reportando de 4.500 a 5.000 visitantes por dia, ante os 15 mil de um ano atrás. Os Museus Estatais de Berlim, um grupo de 18 instituições na capital alemã, reportam frequência de público equivalente a 30% do total do ano passado.

Outros museus estão se saindo pior. O Museu Van Gogh, em Amsterdã, teve seu número de visitas reduzido a 400 por dia, quando antes da pandemia recebia cerca de 6.500 pessoas diariamente. “As coisas estão realmente muito, muito silenciosas no museu”, disse a diretora da instituição, Emilie Gordenker.

As restrições a viagens e o fechamento de fronteiras reduziram dramaticamente o número de turistas internacionais que visitam as capitais europeias. Ao longo do verão europeu, as instituições da Holanda registraram um avanço no número de visitantes provenientes das vizinhas Bélgica e Alemanha. Mas os números voltaram a cair quando o ano letivo foi iniciado, em setembro, e um surto de novos casos de coronavírus na Holanda levou a alertas de “código vermelho” em diversas cidades holandesas, incluindo Amsterdã.

Os governos europeus sustentam diversas instituições culturais, mas existe uma ampla variedade de modelos de negócios no continente, de museus estabelecidos por instituições privadas que não recebem qualquer verba pública àqueles que são integralmente subsidiados pelos contribuintes. Nos últimos anos, porém, os governos de muitos países, incluindo a Holanda, vêm reduzindo o apoio aos museus, porque os políticos estão encorajando o “modelo americano”, no qual há maior dependência do faturamento obtido pela instituição.

O Rijksmuseum e o Hermitage de Amsterdã, que ficam a menos de dez minutos de bicicleta um do outro, representam as duas pontas desse espectro. Enquanto o museu nacional holandês recebe um terço de suas verbas do governo, o Hermitage, uma empreitada privada, não tem subsídios do governo e depende da venda de ingressos para 70% de seu orçamento.

Duas senhoras olham quando
Pessoas visitando o Rijksmuseum, em Amsterdã, na Holanda, em 20 de setembro de 2020 - Koen van Weel/AFP

“Os idosos vinham sendo a base do nosso público”, disse Paul Mosterd, diretor assistente do Hermitage de Amsterdã. “Tínhamos visitas de muitos grupos de idosos, grupos de amigos dos aposentados, ou festas de 80 anos para o vovô, com visita guiada e um almoço.” Essa categoria de visitantes agora encara com cautela visitas a espaços fechados e o uso do transporte coletivo, fazendo com que o museu dependa mais de visitantes jovens. Mas, ele acrescentou, a geração mais jovem “não está indo”.

Diversos países europeus, entre eles Reino Unido, França, Alemanha e Holanda, já anunciaram pacotes de resgate governamental às artes. Mas muitas instituições continuam a projetar perdas.

“Prevemos grandes prejuízos nos próximos anos e um retorno muito lento à normalidade”, disse Lidewij de Koekkoek, diretora da Rembrandt House, um museu que ocupa a antiga casa e ateliê do artista. Antes da pandemia, 80% dos visitantes do museu eram turistas internacionais.

"Imaginamos que em 2024 estaremos de volta ao nosso número normal de visitantes”, ela acrescentou. “Financeiramente, é um desastre considerável.”

Koekkoek disse que a Rembrandt House perdeu cerca de € 2,5 milhões, o equivalente a R$ 16,4 milhões, por causa da queda no número de visitantes —mais de metade de seu orçamento total.

Um resgate pelo governo holandês e ajuda da prefeitura da capital holandesa ajudaram a instituição a cobrir cerca de US$ 1 milhão, ou R$ 5,5 milhões, desse rombo, segundo ela. “Do lado positivo, vamos voltar ao básico, e há muita criatividade em nosso pensamento sobre o futuro”, acrescentou Koekkoek.

Yilmaz Dziewior, diretor do Museu Ludwig, em Colônia, na Alemanha, disse que os museus do país tinham a sorte de receber generosos subsídios do governo. Poucos estão em risco de fechar, mesmo que haja poucos visitantes.

Museu Ludwig, em Colônia, na Alemanha
Museu Ludwig, em Colônia, na Alemanha - Creative Commons/Flickr

“O que a crise também demonstrou é o quanto o sistema alemão é robusto e saudável, se comparado ao dos Estados Unidos, por exemplo”, ele disse. “Precisamos de visitantes, mas eles não respondem por proporção tão grande assim de nosso orçamento total.”

Ele afirmou que o orçamento anual do museu, de cerca de € 13 milhões, ou R$ 85,7 milhões, inclui € 3,5 milhões, ou R$ 23 milhões, em faturamento, do qual € 1,8 milhão, ou R$ 11,8 milhões, são com vendas de ingressos. Ele imagina então perder metade desse valor.

A situação financeira do museu mesmo assim levou os dirigentes a repensar, disse Dziewior. “Uma coisa que a situação nos mostrou foi que precisamos trabalhar mais com a nossa coleção”, ele disse. “Fazemos muitas mostras aqui que envolvem obras trazidas do mundo todo, o que não é bom ecologicamente, economicamente e de outras maneiras. Ao longo da crise, questões como essa se tornaram mais claras.”

Mosterd, do Hermitage de Amsterdã, disse que a crise havia compelido a equipe do museu a repensar as exposições e a tentar atrair um tipo diferente de visitante. Uma exposição de arte medieval, “Os Romanov sob o Encanto dos Cavaleiros”, por exemplo, foi reformulada com maior ênfase nas armaduras, armas e batalhas.

“Isso é mais adequado a famílias com crianças pequenas, que para nós são de certa forma uma nova audiência”, disse Mosterd. “Essa é uma mudança que estamos promovendo 100% por razões de marketing.”

Dziewior disse que reorientar o Museu Ludwig e encontrar uma abordagem mais inclusiva e sustentável quanto aos visitantes —especialmente os que vivem na região— não era uma mudança só temporária.

“Uma coisa que a crise nos mostrou foi que aquilo que entendíamos como normal não era normal”, ele disse. “Não temos o objetivo de voltar ao ponto em que estávamos antes da pandemia.”

Tradução de Paulo Migliacci

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