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Marilene Felinto

Paco Vidarte desabafa e propõe uma nova militância em 'Ética Bixa'

Filósofo espanhol defende uma política anal em contraposição ao que entende como domínio do falo

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Em "Ética Bixa - Proclamações Libertárias para uma Militância LGBTQ", o filósofo espanhol Paco Vidarte convoca os "indivíduos precários" —"bixas, lésbicos, trans"— a se posicionarem de modo revolucionário, "orgiástico" contra a violência do sistema homofóbico, patriarcal, misógino e racista que os oprime.

Vidarte fala de uma ética que obedeça "aos interesses de uma minoria oprimida (não oligárquica), de uma ética de emancipação de luta contra uma situação de marginalização e de privilégios alheios".

Mas faz a ressalva. "Não se trata de criar um levante gay; trata-se de criar um mal-estar, de tornar inaceitáveis certas pessoas, hipocrisias, condutas falsas." É opor uma "política anal à política falocrata".

Indivíduos precários têm menos direitos. No universo LGBTQ, Vidarte explica que "somos os menos defendidos, daí que a ética da qual nascem esses direitos, a ética democrática ocidental do progressismo, não pode ser a nossa".

Paco Vidarte
O filósofo espanhol Paco Vidarte, autor do livro ‘Ética Bixa - Proclamações Libertárias para uma Militância LBTQ’  - Reprodução

O sujeito político LGBTQ exortado por Vidarte não pode fazer concessões, precisa se posicionar primeiro como gay, trans, lésbica e só depois com os predicativos assessórios, os "lugares de socialização" do sistema heteronormativo.

"Somos bixas com práticas de advogado, de médico, de sem-teto, de vida precária. Esta inversão é importante. Somos bixas antes de qualquer coisa, que a socialização não nos tire o que somos, não à custa de um apagamento de gênero para dizer 'sou médico' do mesmo modo que qualquer hétero diz 'sou médico'."

Com raiva e indignação, Vidarte escreve este texto inteligente, profundo, ao mesmo tempo divertido e angustiante, quando já estava muito doente. Morreu jovem, aos 37 anos, de um linfoma decorrente de complicações de HIV, em 2008, mesmo ano de publicação do livro na Espanha.

Vidarte é da linha de pensadores gerados na Espanha ultracatólica —"neste país de merda", diz ele—, que, num dado momento, se rebelam como bicho que troca de pele.

Assim foi com Paul B. Preciado e Javier Sáez del Álamo, por exemplo. Os três são ativistas do movimento LGBTQ e contestadores radicais das políticas de controle e disciplina do corpo pelo Estado capitalista. Vidarte era professor em Madri, onde introduziu estudos de teoria queer, além de tradutor e especialista na obra de Jacques Derrida.

"Ética Bixa" é um soco na cara da hipocrisia, e do lugar de conforto do movimento queer, um libelo corajoso, desabafo em linguagem nua e crua.

Qualquer semelhança de suas afirmações com a situação que se vive hoje, em Estados fascistas como o brasileiro, não será mera coincidência.

"Embora a repressão institucional, neste país, já não seja de prisão, de pena de morte, ainda te insultam e te assediam pelas ruas, pelas cidadezinha. E não acontece nada. Ninguém diz nada", afirma ele.

"Primeiro começaram a roubar, a foder com todo mundo até ficarem com o poder. E só depois construíram seu edifício ideológico justificativo. Os sujeitos políticos que engendraram a homofobia capitalista patriarcal e monoteísta não respondem a uma identidade prévia que montou a cavalo e embarcou numa caravela e saiu para fazer um império. Esses filhos da puta têm a consistência de uma identidade que abrange tudo aquilo em que se converteram em séculos de história e opressão."

Nada tão verdadeiro, atual e necessário quanto o texto de Vidarte e sua defesa de uma "ética feita com o cu", oposta ao estigma da passividade e da violação; o "cu" instrumento revolucionário, de "militância de cachorro louco", personificado em texto audaz, em pessoa rebelada, que mostram o traseiro para o "Pai Político", como conclui Vidarte citando Roland Barthes como diretiva de outra militância possível.

Ética Bixa

  • Preço R$ 45 (184 págs.)
  • Autor Paco Vidarte
  • Editora N-1
Marilene Felinto

Escritora, é autora de "As Mulheres de Tijucopapo" e mantém o site marilenefelinto.com.br

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