Fabiana Cozza denuncia terrorismo religioso sob Bolsonaro em live da Folha

No Ao Vivo em Casa, cantora falou sobre o processo de criação de seu novo álbum, racismo e intolerância

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São Paulo

Foi num jogo de búzios em 2013 que a cantora Fabiana Cozza recebeu o pedido. “Você precisa ser uma porta-voz”, avisou a mãe de santo de seu terreiro de candomblé, dizendo que ela deveria fazer um disco dedicado aos orixás.

“Eu nunca me esqueci da ideia, até porque o samba é esse território do sagrado, é o terreno dessas relações ancestrais. Há três anos decidi tirar esse disco da ideia e comecei a colocar em pré-produção”, contou nesta sexta (9) no Ao Vivo em Casa —série de lives promovida pela Folha— à repórter Marina Lourenço.

Sete anos, vários projetos e uma pandemia depois, a paulistana soltou, neste domingo (4), “Dos Santos”, que leva o sobrenome que herdou do pai e mergulha na mitologia africana iorubá e em elementos de religiões afro-indígenas brasileiras.

Para cada um dos colaboradores que convidou, como Paulo César Pinheiro, Ceumar e Tiganá Santana, a paulistana pensou e delegou um tema —assim nasceram 19 faixas que versam sobre Ogum, Iemanjá, Xangô e Oxum, mas que também servem de alento para o momento em que vivemos, segundo a artista.

“Eu comecei a gravar no ano passado e aí veio a pandemia, todo mundo parou. Como orixá é pura sabedoria, eu falei ‘vou fazer esse esforço mas vou terminar esse disco agora’. Foi importante por causa dessa questão do sagrado, mas também porque as pessoas estavam sofrendo. Eu perdi quatro pessoas, e isso foi muito duro”, contou.

Isolada com seus dois cachorros em Minas Gerais, tocou a distância o que ficou faltando. Os músicos gravaram suas partes em casa e, mais recentemente, Cozza entrou em estúdio com outras duas pessoas para finalizar o álbum.

Apesar do chamado, a artista diz que não queria reproduzir uma cerimônia de candomblé, mas sim entregar o que ela chama de manifesto poético antirracista em um momento de autoritarismo e violência vindos do governo.

“Acho que a minha resposta enquanto artista e cidadã deveria vir de forma poética, mas muito conectada com aquilo que é importante para mim, que é esse lugar que tanto me abraça e que tem sofrido ataques severos há muitos anos”, disse, lembrando os ataques contra as religiões de matriz africana.

“O que está acontecendo é um terrorismo religioso. O que é quebrar um terreiro? Expulsar mãe de santo ou pai de santo de suas casas? Se isso acontecesse dentro de uma sinagoga, de uma mesquita, de uma igreja, já tinha parado”, afirmou, para em seguida discorrer sobre o papel que as pessoas brancas têm na luta contra o racismo. “É importante que muito mais gente entenda que a causa antirracista não é de nós, pretos, mas essencialmente uma consciência que os brancos devem tomar.”

Além de criar o disco, Cozza usou o tempo em quarentena para estudar e dar aulas de voz no projeto Cantar É Reza, que criou na pandemia. “A canção vira um suporte afetivo, criativo. É uma prática do prazer do cantar, e a gente está vivendo um momento de muito pouco prazer”, disse. “Passei a conhecer muito de mim depois que eu comecei a cantar. Você vai abrindo outros leques, conhecendo outras paisagens de si mesmo.”

Fabiana Cozza faz o show de lançamento de seu disco, sem plateia, no dia 17 de outubro, na Casa de Francisca. A compra de ingressos e detalhes da transmissão podem ser conferidos em casadefrancisca.art.br/.

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