Descrição de chapéu
Livros

Relatos de ingleses dão uma noção do espanto de achar Novo Mundo

Escritos do Reino Unido sobre o Brasil colonial são bem menos conhecidos que a documentação de outros países

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Não se descobrem mais continentes novos como há 500 anos, mas é possível ter uma noção bastante clara do espanto, do maravilhamento e, por vezes, do terror que era encontrar um “novo mundo” simplesmente lendo os relatos dos primeiros europeus a pisar nas Américas. Há abundância desse frescor da descoberta em “Ingleses no Brasil: Relatos de Viagem, 1526-1608”.

O livro, porém, não vale apenas pelas observações boquiabertas (e, com frequência, algo fantasiosas) dos mercadores, náufragos e corsários do tempo da dinastia Tudor que acabaram vindo parar na costa brasileira. Sheila Hue e Vivien Kogut Lessa de Sá, organizadoras do volume, conseguiram contextualizar habilmente os relatos dentro do panorama cambiante das relações internacionais na Europa.

Conturbado pela Reforma Protestante, o continente europeu se fragmentou por motivos confessionais, de modo que o comerciante Roger Barlow , que deixou a Inglaterra quando ela ainda era um país católico, acabou dedicando sua descrição das Américas ao rei Henrique 8º quando o monarca já tinha cortado laços com Roma.

Retrato do rei Henrique 8º, pintado por Hans Holbein - Reprodução

Do mesmo modo, a tentativa de forjar uma rota comercial direta Londres-Santos em 1581, relatada no livro numa série de cartas que incluem até listas de compras, soçobrou quando Portugal reconheceu o espanhol Filipe 2º, ferrenho inimigo dos ingleses, como seu rei.

A maioria dos relatos produzidos no atual Reino Unido é bem menos conhecida do que a vasta documentação francesa ou holandesa sobre o Brasil colonial.

Segundo afirmam as organizadoras, isso se dá, de um lado, porque a Inglaterra nunca chegou a empreender esforços para colonizar o território brasileiro; de outro, as narrativas inglesas são, em geral, fragmentos de coletâneas maiores sobre as Américas e outras áreas banhadas pelo oceano da era das navegações.

Nada disso diminui, porém, seu interesse histórico e até seu potencial de entretenimento. Quem poderia imaginar, por exemplo, que a capital pernambucana amargou um mês de ocupação por corsários ingleses (aliados a franceses e holandeses), liderados por James Lancaster, em 1595?

A narrativa do saque do Recife –alvo dos súditos de Elizabeth 1a por causa das especiarias, vindas da Índia, armazenadas no local– aliás, é um dos momentos de alívio cômico do livro. “Dois índios vieram a bordo [dos navios ingleses] numa jangada, fugindo de seus senhores. E eu, que estava ansioso por saber novas da terra, interpelei um deles, que me respondeu com uma grande gargalhada –‘em terra estão todos se cagando’.”

É difícil não se divertir com os mal-entendidos culturais e com as análises culinárias. Afinal de contas, pão feito com mandioca é tão bom quanto o similar europeu? “Cerveja” feita com milho mascado e fermentado empata com a inglesa em sabor, mas vale a pena encarar o nojo da mastigação? E há as zoológicas. Peixes-bois, por exemplo, aparentemente são idênticos às vacas da Europa se excetuados os hábitos aquáticos e a suposta inexistência de tetas neles.

E há, é claro, a simpática resignação de John Whithall, radicado em Santos, no litoral paulista, e conhecido como João Leitão entre seus vizinhos lusos. “Eles vêm usando esse nome há tanto tempo que agora só me resta o manter”, suspira Whithall em uma carta.

Ingleses no Brasil: Relatos de Viagem, 1526-1608

  • Preço R$ 62 (304 págs.)
  • Autor Sheila Hue e Vivien Kogut Lessa de Sá (org.)
  • Editora Chão
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.