Descrição de chapéu
Nelson de Sá

Ver peças em cubículos de plástico não pode ser chamado de ir ao teatro

Já as lives permitem maior experimentação e demandam outra apreciação, mas não oferecem a experiência única

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Mais de meio ano sem teatro, a expectativa não era pequena para ver uma comédia de Ben Jonson, frente a frente. Mas a experiência, há pouco mais de uma semana, foi bem diferente do que se entendia por ir ao teatro, antes da pandemia.

A tensão de atravessar a cidade e, sem ter onde estacionar, parar a três quadras. Andar pela calçada entre gente sem máscara, esperar aparecer alguém para abrir o portão e aguardar então entre grupos de conversa animada.

Por fim, ser direcionado a um estacionamento, sentar num cubículo de plástico que poderia ser mais transparente, atrás de uma carroça cenográfica, e tentar acompanhar a cena com os atores voltados para o outro lado, em arena mal resolvida.

Era só o primeiro fim de semana, muita coisa já pode ter melhorado. E não era a peça acabada, mas uma pré-estreia, um passo além do ensaio aberto. Com o tempo e alguma vacina, será diferente —e será preciso retornar.

Por enquanto, está mais perto daquelas apresentações de comédia stand-up em formato de drive-in, com carros em vez de caixas plásticas, que foram tentadas no auge do surto de Covid-19 em São Paulo e outras cidades.

Se o Brasil seguir novamente a Europa e os Estados Unidos, uma segunda onda está a caminho, tornando a suposta volta do teatro um espasmo de esperança frustrada. A Itália já determinou novo fechamento dos teatros, no último fim de semana.

Com o convívio físico do teatro ainda dificultado, sobram as lives, que também no exterior começaram a ser tratadas como peças, marcadamente nos Estados Unidos, onde não existem estruturas nem vontade política para sustentar artistas impedidos de trabalhar.

Os vídeos podem, como já se provou, ajudar financeiramente pequenas equipes criativas, sobretudo atores, por pouco que seja. Mas não resolvem o problema de técnicos e outros profissionais afastados das coxias e casas de produção —e, cada vez mais, do próprio ofício.

Também demandam outra apreciação pelo público. É uma arte com mediação, numa tela pequena e artificial, com edição de câmeras e áudio, ainda que no correr da apresentação.

E no final o espectador precisa ser convencido de que, embora aquilo pudesse ser gravado e revisto, isso é errado. É preciso fazer de conta que é uma experiência única, que é teatro.

No que foi possível assistir, ao longo destes meses, os vídeos funcionam melhor quando abraçam o novo meio e o que ele permite, em ferramental. É assim com as peças filmadas, como "Fleabag" e os grandes musicais, ou aquelas que experimentam mais.

Foi o caso de "Antunes Filho: $odoma \G/omorra { TRANSMISSÃO }", do ator e diretor Luiz Päetow, programado para o Festival de Curitiba. Para o espectador que conhecia o fonemol de Antunes ou a iluminação de Päetow, foi uma viagem de invenção ainda maior.

Mas não era bem uma peça de teatro.

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