Artista Aldo Tambellini usou só preto em obras radicais que celebram a negritude

Filho de pai brasileiro e mãe italiana sobreviveu à Segunda Guerra e criou imagens com ácido em negativos fotográficos

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São Paulo

“Quão brasileiro você pode se tornar?” Esta foi a pergunta que Aldo Tambellini escreveu no verso de um cartão-postal durante o período em que morou na capital paulista, no início da década de 1980.

Depois de participar da 17ª edição da Bienal de São Paulo, o artista ítalo-americano ficou hospedado na cidade por cerca de nove meses para tentar encontrar seu avô paterno, um ex-plantador de café.

Filho de pai brasileiro com mãe italiana, Tambellini não foi bem-sucedido na busca, mas isso não o impediu de transformar sua jornada numa série de intervenções em cartões-postais de São Paulo —sobre fotografias aéreas da cidade, colou selos, borboletas e até recortes de jornal. Enviou tudo para a sua namorada na época, que estava nos Estados Unidos, com curtas mensagens poéticas.

Um apanhado desses cartões-colagens está reunido até dezembro na exposição virtual “No Princípio Tudo Era Negro”, no site da galeria paulistana Casanova. Em vídeos, fotos, colagens, poemas, áudios e o registro de uma performance, a mostra faz uma breve retrospectiva da obra do artista, que deixou sua marca de experimentalismo na fotografia e na videoarte e também direcionou seu olhar para a vida de comunidades negras.

Na década de 1960, Tambellini começou a intervir sobre o filme fotográfico, riscando e pintando o negativo, além de mergulhar o material em ácido. O resultado —a série “Lumagrams”— são abstrações onde se veem manchas escuras sobre papel branco, em imagens que lembram buracos negros ou células humanas vistas no microscópio.

Outro trabalho de estética semelhante são os “Videograms”, em que o artista punha negativos virgens em frente à televisão e ligava e desligava o monitor rapidamente, de forma a obter a queima do filme, gerando fotografias feitas sem câmera.

Poeta, performer e ativista antirracismo, Tambellini nasceu em Siracusa, no estado de Nova York, em 1930, sendo levado com a família para a Itália quando era bebê.

Precoce, foi matriculado numa escola de arte aos dez anos. Aos 13, sobreviveu aos bombardeios da Segunda Guerra que destruíram o bairro onde morava e mataram mais de 20 vizinhos. Depois do episódio, voltou para os Estados Unidos, onde estudou pintura e escultura antes de enveredar pela pesquisa com arte multimídia e performance.

Um tema recorrente em seu trabalho é o preto. “O preto é, na verdade, o começo de tudo”, escreveu. Viria a usar o conceito de maneira ampla, em referência ao movimento black power, que apoiava, à matéria negra da física, ao preto do negativo fotográfico e ao negro do desconhecido da exploração espacial.

Essa obsessão se materializou numa leva de filmes curtos, alguns abstratos e frenéticos e outros mais concretos —nestes, retratou a vida de comunidades negras dos Estados Unidos e a Segunda Guerra.

Tambellini, hoje com 90 anos, passou por um resgate na última década, ganhando exposições no MoMA, em Nova York, e uma sala na Tate, em Londres, além de ter sido escalado para a Bienal de Veneza de 2015.

Segundo a organizadora da mostra, Jane de Almeida, esse interesse se deve à contemporaneidade de sua obra, inovadora no uso de materiais, apta a construir narrativas com imagens abstratas e sensível a questões sociais como o racismo e os horrores da guerra.

"No Princípio Tudo Era Negro"

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