Nessa foto, eu sou o da ponta sem chapéu. No meio, está o meu irmão, Luiz de Araújo Lima, e, ao lado dele, o César, mas ele já é falecido. Morreu mais ou menos 40 anos depois desse dia.
Essa foto foi tirada na praça 11 [região central do Rio de Janeiro] na época de Carnaval. E esse grupo aí é da equipe Alma Negra, um grupo de baile de soul music. Eu sou o criador dos bailes, o número um do Brasil.
Esse grupo [Alma Negra] é de 1969, e essa foto é entre 1970 e 1972, por aí.
Neste dia, quando nós chegamos na Central do Brasil --éramos mais ou menos umas 30 pessoas—, fomos abordados pela polícia e ficamos presos. Era uma porção de negão escrito “poder” no peito em plena ditadura, eles [militares] acharam que éramos comunistas. O pessoal que conhecia a gente do baile que foi até a Central do Brasil pedir a nossa soltura.
Quando chegamos na praça 11 --essa foto foi tirada mais ou menos onde hoje em dia se encontra o busto do Zumbi--, chamamos a atenção do [fotógrafo Carlos] Vergara [que trabalha com a temática negra desde os anos 1960], éramos um grupo diferente em plena ditadura. Ele nos abordou e perguntou quem era o responsável, e eu falei que era eu. Fizemos uma entrevista e ele pediu para chamar umas pessoas para tirar a foto, então, eu dei preferência para chamar o meu irmão e o outro meu colega, que era meu compadre.
A ideia de escrever “poder” no peito foi minha. Naquela época, a equipe Alma Negra era muito influenciada pelo black power. Quando eu fui convidado a participar de um bloco carnavalesco fundei uma ala e trouxe todo o grupo para participar. Ao invés de colocar um “power” em inglês eu dei preferência pelo português.
A equipe Alma Negra surgiu quando eu fiz 15 anos de idade e os colegas resolveram fazer uma festa em homenagem, porque naquela época eu era dançarino e gostava muito das músicas do James Brown. O pessoal gostou tanto da primeira festa que começaram a pedir para fazer outras nos finais de semana.
As pessoas que frequentavam os bailes eram todas negras e usavam cabelos black power. Inclusive, essa foto foi tirada com o cabelo pintado de loiro. Isso chamou muito a atenção, porque era época da ditadura; então, qualquer coisa que os negros fizessem chamava a atenção, porque existia muito preconceito.
Os negros não podiam andar nas ruas que eram [considerados] bandidos. Não podiam andar sem camisa, porque eram ladrões. Não podiam andar balançando os braços, que eram vagabundos. Não podia ter quatro negros conversando junto, que era quadrilha.
A patrulha, quando passava, se tivesse dois brancos bandidos numa calçada e dois negros estudantes do outro lado, eles preferiam abordar os negros estudantes, por causa do preconceito.
Naquela época, a ditadura não abria porta para negros conseguirem nada, nós éramos muito fragilizados.
O nosso movimento era mais da área musical, de show, teatro, tudo que se referia a cultura. Não tinha nada de política.
Nos bailes black era difícil ver um branco. E nos bailes de rock os negros também eram discriminados. Eu fui vítima. [Um dia] estava com dois colegas brancos indo para o baile de rock. Os dois entraram e eu fiquei do lado de fora. Isso aí influenciou muito para dar início aos bailes aqui no Brasil.
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