A história se passa em Cabul, em 1989. Na abertura um garoto está pronto para encarar um novo dia. A câmera revela que ele dormiu no banco de trás de um carro abandonado numa rua de terra.
Ele é o menino de rua de 15 anos Qodrat, papel de Quodratollah Qadiri, que logo está dentro de uma sala de cinema. Na telona, um longa de Bollywood. Rodeado de meninos e homens animados, que levantam para aplaudir e dançar junto dos atores, está vidrado em uma sequência de luta.
O cinema é a prioridade dele, escape de sua dura rotina. E um jeito de fazer dinheiro, já que ele chega cedo às sessões e compra ingressos que depois vende por um preço mais alto. E é esse bico que vai complicar a vida dele. Qodrat é flagrado pela polícia e levado para um orfanato estatal.
Lá, a sobrevivência depende do comportamento de cada um. Qodrat percebe que a melhor estratégia é se fazer invisível. Fayaz, vivido por Ahmad Fayaz Osmani, é alojado no quarto do bully Eshan, papel de Eshanullah Kharoti, e logo se torna um alvo.
Qodrat usa o seu método particular para abstrair os momentos desagradáveis. Ele se imagina em cenas musicais de Bollywood, que transferem para a fantasia as situações que gostaria de viver com as personagens da vida real.
Essa saída criada pela cineasta afegã Shahrbanoo Sadat faz toda a diferença. O que poderia ser um filme medíocre com uma trama sem muito a dizer se transforma em algo original e cativante. As sequências bollywoodianas contrastam com o resto do longa.
Há uma inocência e uma patetice graciosas nos musicais imaginários de Qodrat, que nos alertam para o fato de que, apesar de seu instinto de sobrevivência, ele ainda é pouco mais que uma criança. O afeto, o luto, a vulnerabilidade são mais fáceis de compreender quando filtrados pelas lentes de Bollywood.
Outros garotos da instituição escolhem maneiras diversas de lidar com a realidade. Masihullah, um dos melhores amigos de Qodrat, é craque no xadrez. Em duas passagens tensas ele vence, contra todas as apostas. A primeira traz uma explosão de alegria, a segunda, de violência.
Algumas coisas, no entanto, vão além da capacidade de compreensão dos meninos. Eles ficam perplexos com a informação de que houve uma mudança no governo do país. O regime pró-soviético do presidente Najibullah foi derrubado e os internos devem juntar todos os livros, fotos e documentos que sugerem uma adesão do orfanato ao antigo governo para serem queimados numa fogueira.
Nesse ponto, a trama muda seu foco para Anwar, papel de Anwar Hashimi, autor do livro em que o filme é baseado, o supervisor da instituição. A ansiedade de Anwar é quase palpável e sugere o perigo.
Mas é mais uma fantasia de Bollywood, uma grande batalha entre os internos e os soldados armados do fundamentalismo islâmico, que antecipa o episódio sombrio se abrindo para os garotos, que estarão em breve na linha de frente de uma guerra civil.
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