Em ode à memória, documentário faz oposição ao revisionismo histórico

Folha promoveu debate sobre o filme 'Fico te Devendo uma Carta sobre o Brasil', disponível gratuitamente por uma semana no streaming

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São Paulo

Para a equipe do documentário “Fico te Devendo uma Carta sobre o Brasil”, o momento é oportuno para que a obra ganhe os cinemas e as plataformas de streaming, ainda que a pandemia ponha de cabeça para baixo a dinâmica do lançamento.

Numa trama que mescla aspectos pessoais e nacionais, o filme dialoga com a democracia por meio de um resgate histórico dos anos da ditadura militar.

“A gente vive um momento de disputa de narrativas sobre a nossa história. O silenciamento histórico da diversidade de pontos de vista fez com que cheguemos em um ponto onde há pessoas que contestam a existência da ditadura”, diz Leandra Leal, coprodutora do filme.

A atriz participou de debate sobre a obra promovido pela Folha nesta quarta-feira (11) ao lado da diretora, Carol Benjamin, e de Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil. A mediação foi feita pelo repórter especial Naief Haddad.

Após ganhar menção honrosa no festival É Tudo Verdade deste ano​, “Fico te Devendo” chegou aos cinemas na última semana e está disponível no Globoplay para assinantes e não assinantes a partir desta quinta-feira (12) até 19 de novembro.

Os que assistirem ao longa vão se deparar com a história de três gerações da família Benjamin, mas também com um passado do Brasil ainda não estancado.

A produção, que começou a ser gestada em 2015, mostra a violência do Estado brasileiro contra César —o pai de Carol—, preso, torturado e exilado pela ditadura militar; e Iramaya —a avó—, que se envolveu nas mobilizações pelo fim do regime e pela anistia dos militantes.

A diretora tentou reconstruir os pedaços dessa história que muito ouviu nas palavras da avó, mas pouco soube pelos relatos de César.

“Caixa preta é como sempre me referi ao meu pai, uma pessoa que trancou o passado dentro de si”, diz Carol a certa altura do documentário.

Ao jogar luz sobre os acontecimentos, algumas pontas ficam soltas para o público, como a dúvida sobre os motivos de César para não falar sobre a mãe, Iramaya, ou não gostar de falar publicamente sobre aquele período —o primeiro depoimento foi dado por ele mais de 30 anos após a prisão.

Carol conta que também não tem as respostas, mas sabe que as razões para o silêncio do pai dizem mais sobre o Brasil do que sobre a família. “A consequência [desse silêncio] é de foro íntimo, mas a causa dele é de foro público, porque é fruto da violência do Estado.”

Além de conteúdos de arquivo histórico e entrevistas, dezenas de cartas trocadas de 1972 a 2008 entre Iramaya e a sueca Marianne Eyre, membro da Anistia Internacional, ajudaram Carol a construir a narrativa de “Fico te Devendo”. A ONG atuou na defesa pela liberdade de César na década de 1970.

Jurema Werneck, da Anistia, diz que o Brasil está longe de virar a página da ditadura, e que os resquícios permanecem.

“A morte pelas mãos do Estado no Brasil impera de novo. Operações diárias nas favelas do Rio de Janeiro, a despeito de uma decisão do Supremo Tribunal Federal proibindo isso​, mostram que o Estado está atropelando o seu dever constitucional”, diz Werneck.

Romper com o ciclo de violência, afirma, exige trazer memória e justiça para os crimes do passado.

“A Lei da Anistia não cumpriu seu dever de garantir o direito à memória. Os perpetradores dos crimes foram esquecidos”, critica. “É como se a voz do Estado dissesse ‘esqueçam o que eu diz’, mas isso não pode ser esquecido.”​

Contra o revisionismo histórico que busca resgatar a ditadura como um período positivo para a história nacional, as debatedoras dizem que a melhor ferramenta é a informação.

“Isso se combate com produção de conhecimento, democratização de acesso à informação e cultura”, sugere Leandra Leal.


Assista à íntegra do debate:


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