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Filme 'Os Livreiros' faz retrato nostálgico e elitista do amor ao livro

Documentário pesa a mão no romantismo ao contar a história do mundo evanescente dos grandes colecionadores

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Os Livreiros

O documentário "Os Livreiros" é uma carta cheia de ternura a uma profissão que se orgulha da responsabilidade nobre de guardar e disseminar cultura. Mas essa nobreza parece ser levada ao pé da letra demais, e o retrato que o filme pinta vem com um toque de elitismo.

O filme se dedica a contar histórias de nova-iorquinos que fizeram sua vida não só do comércio de livros, mas da paixão intensa por eles. São pessoas que falam com brilho nos olhos de capas feitas por exímios artesãos e salivam ao falar em primeiras edições.

Mas também são pessoas simbolizadas por um caso ouvido a certo momento, o de um livreiro que chorou ao saber que estava diante de uma edição antiga de "Dom Quixote" que custava US$ 120 mil. E chorou mais ainda ao saber que uma edição pioneira da aventura "Casino Royale", que lançou James Bond, custava US$ 10 mil a mais.

homem olha estante cheia de livros
Cena do documentário "Os Livreiros" - Divulgação

"Os Livreiros" pesa a mão no romantismo ao contar a história de um mundo antigo, evanescente, de grandes colecionadores que se veem ameaçados de deglutição por uma cultura excessivamente popular e, em especial, pelo assombroso mundo da internet.

Seu papel tem valor, sem dúvida, mas a impressão que fica —talvez injusta e provocada pelo recorte do filme— é que aquelas pessoas são muito mais guardiãs que difusoras da literatura.​

As cenas são tomadas pela melancolia da perda de uma era de ouro, na qual o livro era um produto de valor e em qualquer centro urbano era fácil tropeçar numa loja de obras raras tocada por um homem idoso que mal levantava os olhos quando você perguntava o preço de algo —como lembra um depoimento divertido da escritora Fran Lebowitz.

Não há problema algum com nostalgia. E a preocupação dos livreiros, do ponto de vista profissional, não é sem sentido, já que as livrarias independentes de Nova York caíram de 368 nos anos 1950 para atuais 79. Mas o filme não sofistica a discussão sobre o modelo de negócios, e a nostalgia se eleva a um infrutífero saudosismo.

Há no documentário um certo odor de ressentimento com a mudança dos tempos, por parte de uma elite cultural que construiu uma carreira frenética de pagar valores exorbitantes por espécimes raros de produtos que amam.

Um entrevistado explica esse grupo com uma frase notável –"quando ouvem a palavra Kindle, muitos sentem um calafrio na espinha". Com horror a traquitanas tecnológicas, outro personagem alardeia que estamos vendo o começo do fim do livro como um objeto central da cultura.

Ora, todos os meios de consumo de informação sofrem metamorfoses. O hipotético —e improbabilíssimo— ocaso do livro virá com mais certeza quanto mais formos resistentes a mudanças.

É só ver como livrarias, mesmo as menores, têm se engajado em métodos de divulgação online que incrementaram suas vendas em plena pandemia. Ou em como o WhatsApp e o Instagram, para além de sugar toda a atenção dos jovens, também podem proporcionar o primeiro contato deles com a poesia.

"Os Livreiros" chega a abrir certo espaço para mostrar a diversificação dos profissionais do livro, trazendo gente que não usa paletó de tweed e está cheia de ideias para o futuro. Mas a inclusão parece quase fortuita, mera obrigação, num filme que não parece ter sido dirigido por um cineasta —já que não se produz qualquer imagem memorável naqueles 94 minutos—, mas por um livreiro.

A beleza do livro não está naquilo que ele foi um dia. Mas no que continua sendo e será por muito tempo.

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