Joyce Moreno revive Dorival Caymmi e outros ícones da música ao lançar livro e disco

Surgidas em meio à pandemia, obras trazem à tona memórias emocionantes sobre craques brasileiros

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Rio de Janeiro

Joyce Moreno estava na Finlândia quando a pandemia chegou com força à Europa. Ainda conseguiu se apresentar na Alemanha, mas depois teve de voltar ao Brasil e se recolher. E assim está há nove meses. Viu canceladas turnês pelos Estados Unidos, pelo Japão e por países europeus.

“Não vou ficar reclamando. Ainda estou podendo lançar um livro e um disco”, afirma a cantora e compositora.

O livro são dois em um. Ela fez ajustes em “Fotografei Você na Minha Rolleyflex”, de 1997, e criou uma segunda parte, “Tudo É uma Canção”. O resultado se chama “Aquelas Coisas Todas”. São histórias contadas por alguém que escreve com facilidade. Ela foi jornalista, trabalhou como repórter do Jornal do Brasil no distante ano de 1967 e é letrista —além de melodista, arranjadora e violonista de estilo marcante.

“No primeiro livro eu recordava a menina de 19 anos que estava chegando a um mundo novo que viria a também ser dela, mas ela ainda não sabia disso”, diz, falando sobre música. “No segundo já são as memórias da velha.”

A frase é uma alusão a seu samba “A Velha Maluca”, do verso “a velha maluca já viu coisas demais”. Moreno, nascida em 1948, é parte de uma geração farta em craques. E ainda conviveu com os craques da geração anterior, como Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

“Tom e Vinicius foram os nossos mestres Jedi, os faróis da nossa geração”, ressalta ela, que é praticamente a única mulher compositora num ambiente de grandes autores homens. “Eu não queria conviver com aqueles caras. Eu queria ser um daqueles caras.”

Ter se imposto num ambiente tão masculino foi uma de suas conquistas —e não faltaram dificuldades. No livro, ela relata momentos em que sofreu assédio por parte de gente do showbusiness. Mas não dá nomes aos bois. Tampouco fala em nomes de colegas de profissão descritos em situações ruins. Uma exceção é a amiga Elis Regina, de temperamento sabidamente difícil e de quem Moreno fugiu algumas vezes.

Por ser discreta, característica que a fez sair ilesa de quase todas as brigas ocorridas na música brasileira nos últimos 50 anos, surpreende que ela abra sua vida pessoal em “Aquelas Coisas Todas”. Conta que só conheceu o pai, um dinamarquês sedutor e pouco responsável, aos 16 anos, e que ele se matou muito tempo depois.

“Minha mãe preencheu tanto os espaços que não senti falta da figura paterna. Foi bom ter sido criada por mãe solo. Ela me ensinou valores como correção e honestidade”, diz, sobre Zemir Silveira, a quem dedica o livro além de seu marido, o baterista Tutty Moreno.

O passar do tempo torna inevitável que muitos amigos já tenham morrido. Ela dedica capítulos a recordar alguns, como Johnny Alf, Gonzaguinha, Zé Rodrix e Tenório Júnior —o pianista torturado e morto pela ditadura argentina, que foi preso provavelmente por engano, já que não fazia militância política.

Ao contrário de Tom e Vinicius, o mestre baiano Caymmi não era dado a tantas intimidades. Para os amigos de seu filho Danilo, como Moreno, era o “seu Dorival”. O mais recente disco da cantora a sair no Brasil é dedicado à obra do compositor baiano. “Fiz uma Viagem” foi gravado na Noruega em 2016 e lançado no Japão no ano seguinte. Moreno é acompanhada por Tutty Moreno, Rodolfo Stroeter, no contrabaixo, e Hélio Alves, no piano.

“Caymmi é um moderno perene. Era na minha infância, na adolescência, na vida adulta e será sempre”, diz ela, que montou o repertório com escolhas afetivas. Há sambas sacudidos como “Vatapá”, “Maricotinha” e “Maracangalha”, sambas-canção como “Não Tem Solução”, “Nunca Mais” e “Sábado em Copacabana”, além da suíte “Histórias de Pescadores” na íntegra.

“Adoro o violão do Caymmi, o das ‘Canções Praieiras’, aquele disco deslumbrante. Mas, para a minha geração, Caymmi passa pelo filtro de João Gilberto. Aprendemos a tocar assim”, afirma.

A pandemia também serviu para Moreno subir para o seu canal no YouTube boa parte de seus discos— já estão disponíveis 35, que vão desde 1969 a 2018— e para compor com novos parceiros, caso do rapper Emicida, autor da letra de “Aurorear”.

Aquelas Coisas Todas

  • Preço R$ 59 (352 págs.)
  • Autor Joyce Moreno
  • Editora Numa

Fiz uma Viagem

  • Onde Nas plataformas digitais
  • Gravadora Pau Brasil
  • Artista Joyce Moreno
Erramos: o texto foi alterado

Joyce Moreno trabalhou no Jornal do Brasil em 1967. O texto foi corrigido.

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