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Louro José e outros bonecos conquistaram a TV graças ao exagero e à honestidade

Bonequeiros responsáveis por outros personagens comentam morte de Tom Veiga

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São Paulo

Garibaldo, Júlio, Priscila, Melocoton, Celeste, Xaropinho e Louro José. Esses são alguns dos nomes que mais estiveram na boca do telespectador brasileiro nas últimas décadas. Mas eles não são de personagens de carne e osso —no lugar, espuma, tecidos, plástico e outros materiais dão forma a essas figuras queridas.

Morto neste domingo, Tom Veiga era a pessoa de verdade por trás de Louro José, talvez o boneco mais popular a alçar voo na TV brasileira. Fiel escudeiro da apresentadora Ana Maria Braga, o papagaio se tornou símbolo televisivo.

Mas como um boneco alcança status de celebridade? Afinal, apesar da magnitude de seu personagem, Veiga tinha o rosto pouco conhecido.

Louro José ao lado dos cavalinhos do Fantástico
Louro José ao lado dos cavalinhos do Fantástico - Divulgação

São milhares os brasileiros que sintonizam diariamente no “Mais Você” —e as divertidas e por vezes absurdas conversas de Louro José com Ana Maria com frequência viralizavam nas redes sociais.
Mesmo assim, o ator permanecia praticamente anônimo atrás do balcão do programa.

“Eu vi o Tom falando que ficava muito confortável com o fato de ser anônimo, porque o que ele entregava ao personagem era só o que ele precisava —e isso não incluía a sua imagem”, diz Ulisses Tavares, diretor da companhia de teatro de bonecos Giramundo.

“Eu acho que o fenômeno dos bonecos não é exclusivo do Brasil, é mundial. Os bonecos são exageradamente verdadeiros, são personagens que dizem muito por si sós. O marionetista acaba só fazendo o repasse de uma informação, de forma clara e verdadeira. Acho que esse exagero é que os torna tão cativantes.”

Tavares conheceu Veiga quando foi convidado a participar do “Mais Você” interagindo com Louro José. Outro renomado marionetista que conhecia o ator é Fernando Gomes, responsável por dar vida a personagens como o Júlio do “Cocoricó”, o Gato Pintado do “Castelo Rá-Tim-Bum” e o Garibaldo da “Vila Sésamo”.

“Eu tive amigos de profissão, absolutamente geniais, que em determinado momento não quiseram mais ficar escondidos atrás dos bonecos”, diz Gomes. “Mas as pessoas ficam ligadas aos personagens —no caso das crianças, elas nem fazem ideia de que existe alguém ali atrás.”

Segundo Gomes, a popularização dos bonecos na TV brasileira aconteceu nos anos 1990, graças, principalmente, à TV Cultura, que apostou na linguagem. Antes disso, havia outras atrações do gênero que faziam sucesso —mas a onda veio mesmo com programas como “Castelo Rá-Tim-Bum”.

“Quem comprou essa briga de pôr os bonecos em evidência foi a TV Cultura, e aí não parou mais. Eles viraram uma moda muito forte e migraram dos programas infantis para os femininos, porque sacaram que eles tinham um apelo muito grande, um poder de ampliar o público”, afirma.

“O adulto vai assistir, porque é divertido, e aí ele traz a criança junto. E boneco ajuda a vender produto. Eles entraram nesses programas adultos também com uma pegada de merchandising.”

Mas nem sempre a estratégia dava certo. O Louro José, de acordo com Gomes, ganhou a magnitude que tem graças a dois fatores, que estavam ausentes em muitos concorrentes —o talento de Veiga e a relação que ele construiu com Ana Maria. Muitos bonecos surgiram na TV, ressalta o marionetista, mas a maioria não vingou porque não teve o espaço que precisava.

“Outros apresentadores já usaram bonecos, mas a Ana conversava com o Louro com toda a verdade do mundo. Mesmo dona do programa, ela sabia servir de escada para o Tom. E aquilo era por causa de uma intimidade que eles construíram. A brincadeira era de igual para igual”, afirma.

Segundo Gomes e também Ulisses Tavares, da Giramundo, o intérprete do Louro José ajudou a dar visibilidade à linguagem dos bonecos e a fazer dela algo respeitado mesmo fora da programação infantil.

Companheiro de emissora de Veiga, Quiá Rodrigues é um dos responsáveis por dar vida aos cavalinhos do Fantástico, que anunciam os resultados do futebol toda semana. Na última edição do dominical, ele e o colega de cena Renato Spinelli prestaram uma homenagem a Veiga.

“Na exibição da matéria do Fantástico, a gente viu uma entrevista do Tom em que ele falava que, quando apareceu o Louro José para ele fazer, ele tomou a decisão de não mostrar o rosto. Eu acho que ele acertou”, diz Rodrigues.

“Quem dá vida a um boneco não aparece —é da arte do bonequeiro não aparecer. Mesmo que apareça, um bom bonequeiro transfere a atenção para o boneco. Você pode estar do lado dele o tempo inteiro que o público nem vê. E isso é bom porque você é um bobo da corte. Você pode falar mal do rei que a sua cabeça não será decepada.”

Segundo ele, Tom Veiga e o alcance descomunal de Louro José mostraram que os bonecos não são coisa de criança. “O boneco tem coragem e perspicácia para tocar em questões que ninguém tocaria. Ele é um porta-voz importante. Pode trazer a voz dos oprimidos, das minorias, porque ele é contra o poder."

Fernando Gomes ao lado de bonecos e outros artistas do programa "Cocoricó"
Fernando Gomes ao lado de bonecos e outros artistas do programa "Cocoricó" - Karime Xavier/Folhapress
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