Descrição de chapéu The New York Times Moda

Met mostra como a memória mapeia o futuro da moda ao celebrar seu 150º aniversário

Mostra 'About Time: Fashion and Duration' privilegia mais o conhecimento que o exibicionismo, diz o curador Andrew Bolton

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Vanessa Friedman
The New York Times

Você é capaz de recordar por um momento o segundo trimestre de 2019?

O mercado de ações ainda estava em alta. “Vingadores: Ultimato” batia recordes de bilheteria. O ciclo do consumo estava cada vez mais frenético. Os estilistas de moda estavam se queixando da impossibilidade de se manterem criativos com um cronograma acelerado, e em um momento em que estavam produzindo montanhas cada vez maiores de coisas. A mídia social acelerou o ciclo de notícias, e Trump inundava o panorama de comunicação. O tempo mesmo parecia ter se tornado uma mercadoria preciosa.

Pouco admira que isso tudo tenha gerado a fagulha de uma ideia na mente de Andrew Bolton, o curador encarregado do Costume Institute do Museu de Arte Metropolitano de Nova York (Met), que vinha contemplando o que fazer em sua próxima grande mostra de moda, que celebraria o 150º aniversário do museu.

E a ideia conduziu Bolton não só ao seu depósito de materiais mas em uma viagem conceitual, que passa por Charles Baudelaire, o filósofo Henri Bergson, do começo do século 20, Albert Einstein e Walter Benjamin, Proust e Virginia Woolf.

Ele emergiu com um tema: duas cronologias paralelas, uma avançando a partir de 1870, o ano de fundação do museu, e a segunda se curvando em torno da primeira como uma dupla hélice, usando a moda —que constantemente se refere ao próprio passado em busca de referência e inspiração, como maneira de refletir melhor a evolução da cultura ao seu redor— a fim de demonstrar as maneiras pelas quais o passado dá forma ao presente, e a história dá forma e significado ao que virá a seguir.

O tema parecia sério o suficiente para um aniversário importante e serviria como contraponto às exposições sobre moda enquadradas à cultura pop e criadas para satisfazer plateias, como “Camp”, no passado, e a anterior, “China Through The Looking Glass”. A mostra, disse Bolton, “teria por base os objetos” e respeitaria mais o conhecimento que o exibicionismo.

A exposição teria de oferecer credibilidade cultural suficiente para os nababos do museu, mas glamour suficiente para a mistura de festa e evento de arrecadação de fundos que é o Met Gala, a principal fonte de verbas para o Costume Institute. A Louis Vuitton concordou em bancar as despesas da exposição. Emma Stone e Lin-Manuel Miranda seriam os anfitriões da festa.

E aí tudo parou. O novo coronavírus levou ao fechamento do museu de março até o final de agosto. A mostra foi suspensa. O Met Gala foi cancelado. A economia entrou em parafuso. O movimento Black Lives Matter, a partir da metade do ano, forçou as instituições culturais e o setor de moda a recalibrar suas posturas

Esta semana, a exposição “About Time: Fashion and Duration” estreou sem a festa habitual.

O timing não podia ser mais perfeito.

E não só porque os quase sete meses adicionais de trabalho permitiram que Bolton reconsiderasse a mostra, refletindo sobre suas escolhas iniciais à luz da justiça social e atualizando o acervo a fim de exibir mais criações de estilistas não brancos e peças mais atuais.

(Cerca de 25% das peças exibidas mudaram, e os novos trabalhos —de Shayne Oliver, da Hood by Air, Stephen Burrows e Xuly Bët, entre outros estilistas— podem ser identificados por meio de uma comparação entre a mostra física e o catálogo da exposição, um elegante tomo em branco e preto, sobre papel fosco, que foi impresso em fevereiro.)

Mas porque Bolton não poderia ter criado um evento melhor para o momento estranho e complicado que vivemos se tivesse começado com esse propósito.

O tempo, afinal, se tornou um conceito de certa forma abstrato para todos nós; existimos no perturbador submundo do presente, no qual ações do passado são selecionadas e reexaminadas e aquilo que acontecerá a seguir parece impossível de prever.

A realidade política da eleição deu origem a uma conversa ampla que remonta aos princípios fundacionais do país, ao mesmo tempo em que debate seu futuro.

As preocupações de que a mostra trata assumiram uma nova dimensão, agudamente pessoal. Suas dimensões relativamente contidas são calmantes, em uma era bombástica. E o museu mais silencioso e socialmente distanciado que as regras de visita ditadas por protocolos de segurança criaram, em lugar de diminuir a experiência, termina por fortalecê-la.

Ao contrário da espaçosa “Heavenly Bodies: Fashion and the Catholic Imagination”, de 2018, que escapou aos limites da galeria e se espalhou pelo museu e pelo anexo Cloisters, “About Time” se restringe às salas Iris and B. Gerald Cantor.

Você entra por um corredor que parece um casulo escuro, ouvindo uma leitura em voz suave e monótona, por Nicole Kidman, do texto de “Orlando”, romance de Virginia Woolf sobre viagens no tempo, e emerge em uma sala de relógio igualmente escura, onde um pêndulo de bronze oscila no centro. (Es Devlin responde pelo design fantasmagórico da exposição), em sincronia com “The Poet Acts”, de Philip Glass, da trilha sonora do filme “As Horas”, que por sua vez se baseia em “Mrs. Dalloway”, outro romance de Woolf.

A atmosfera parece pesada, como que em animação suspensa. Em lugar de placas escritas nas paredes ao lado de cada peça, o que poderia encorajar visitantes a se congregarem nas proximidades, os textos da exposição para cada par de trajes —o precedente e o seguinte— devem ser baixados pelos visitantes para seus smartphones.

Os textos descrevem cada look da coleção, e o contexto social em que foi criado. Isso sublinha ainda mais o senso de comunhão privativa entre o olhar e aquilo que ele abarca, que são os “minutos” da mostra: 60 duetos de vestidos, ternos, casacos ou confecções de diferentes períodos e estilistas, que ecoam uns aos outros ao longo das décadas, em termos de silhueta, motivo ou material. São quase todos pretos, com o uso raro de branco para pontuação.

A técnica de espelhamento também foi empregada com efeito poderoso, se bem que em escala menor, em uma seção da mostra “Camp”, do ano passado, que comparava certos looks clássicos às suas contrapartes exageradas que serviam de tema à exposição, mas aqui esse é o princípio guia da montagem, e ele é altamente efetivo.

Assim, o laço de cintura volumoso de um vestido de passeio de 1885, inspirado por Charles Frederick Worth, é justaposto às linhas semelhantes de um casaco de lã de Yohji Yamamoto, de 1986/7, que parece estar derramando uma fonte de tule branco de suas costas.

As ancas de moldura prateada de um “robe de style” de 1927, criado em tafetá por Jeanne Lanvin, surgem ao lado das anquinhas de renda transparentes de um vestido criado por Jonathan Anderson para a Loewe em 2020 (que por sua vez recuam às anquinhas usadas nos vestidos de corte).

E o slip de tecido acetinado preto de Chanel, com flores em uma das alças, criado em 1925, complementa o vestidinho preto básico acetinado de Norman Norell, um modelo de 1965 que vincula explicitamente as liberdades da década de 1920 e as da década de 1960. Os dois também são tão parecidos um com o outro que foi bom que Diet Prada, o fiscal que expõe plágios de moda no Instagram, não estivesse vendo a exposição.

(A mostra também ilustra por que é tão difícil estabelecer copyright sobre designs de roupas, e por que o setor encontra tamanha dificuldade para se adaptar ao conceito contemporâneo de apropriação e atribuição, porque vem tomando elementos de empréstimo a si mesmo por mais de um século, sem o menor problema.)

O visitante então sai do escuro para a luz, ao som de novos trechos de “Orlando”, desta vez lidos por Meryl Streep, e uma nova peça sonora de Philip Glass, chegando a uma segunda sala, espelhada até o teto, refratando reproduções de reproduções: O vestido “disco voador” sanfonado de Issey Miyake, de 1994, e o vestido pregueado “Delphos”, de Mariano Fortuny, de 1930, ambos maravilhas técnicas em termos de estruturação que abstrai o peso; um vestido de malha justo de Marc Jacobs para a grife Perry Ellis, de 1993, “rasgado” no umbigo, com as mangas longas comprimidas em um amassado permanente, e um vestido justo, de lã, criado por Rudi Gernreich em 1965-6, com as mesmas mangas e linhas, a mesma declaração consciente de rebelião maltrapilha.

Um vestido sem alças de PVC criado por Iris van Herpen em 2012, com apêndices ao estilo “Alien” se curvando em torno dos quadris e coxas, é mostrado ao lado de um vestido de baile em cetim creme desenhado em 1951 por Charles James, com apêndices tentaculares semelhantes nos quadris e saia.

O look final da mostra, porém, está sozinho. Um vestido branco angelical de Viktor & Rolf, feito de sobras de renda de velhas coleções costuradas juntas em um novo tecido, e usadas por uma manequim suspensa no ar: passado e futuro unidos no presente. O vestido traz a mostra a uma conclusão graciosa e otimista. (E leva a imaginar se sustentabilidade e circularidade podem ser os próximos temas de Bolton.)

De fato, todas as camadas do arcabouço analítico que Bolton usou para apresentar seu tema, formalizado no ensaio de Theodore Martin que faz parte do catálogo da exposição e em um novo conto, “Orlando”, de Michael Cunningham, encomendado especialmente para o catálogo, provam ser apenas maneiras de desviar a atenção quanto ao argumento central da mostra.

Claro que algumas das parelhas criadas são mais forçadas do que outras. (“Laços” representam uma interconexão histórica ou uma simples decoração genérica?) E, para algumas pessoas, a conclusão a extrair pode ser menos uma revelação do que um simples “e quem não sabia disso?”

Mas em geral, o uso das roupas para demonstrar de que forma ideias, criatividade e identidade são produtos de um multiverso, em lugar de progressões lineares —como os significados ganham novas formas enquanto as formas se atraem e repetem, e como isso incentiva a mudança—, se prova convincente. E vai bem além da moda.

Talvez todas essas firulas intelectuais sejam necessárias de um ponto de vista de política interna, já que a moda foi sempre vista como filha adotiva bastarda pelo museu, sempre forçada a justificar sua presença entre as belas artes. (Quando o Costume Institute foi criado, em 1946, depois que o Museum of Costume Art se tornou parte do Met, foi sob a condição de que só ele, de todos os departamentos de curadoria do museu, encontrasse sozinho verbas para se sustentar.) Mas para aqueles que não vivem com o peso desses preconceitos, o intelectualismo só atrapalha.

De fato, a questão persistente é por que o Costume Institute continua a ser, como Max Hollein afirma na introdução, “uma entidade independente dentro do museu”, em lugar de ser simplesmente parte dele. Em sua claridade e relevância, a mostra deixa claro que é mais que hora de que isso reja repensado.

O que viria a calhar.

Tradução de Paulo Migliacci

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