Ter projetos é o melhor jeito de envelhecer, diz diretora de 'Aos Olhos de Ernesto'

Filme foi debatido no Ciclo de Cinema e Psicanálise nesta terça-feira (3)

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São Paulo

O longa nacional “Aos Olhos de Ernesto” retrata um tema universal –a velhice e suas limitações– com ênfase na necessidade da construção e manutenção de relações afetivas para enfrentar essa fase da vida.

“O filme mostra que não podemos perder os vínculos. A vida pode ser mais rica se você a construir com uma presença, uma troca”, disse a psicanalista Ana Hoffman durante o Ciclo de Cinema e Psicanálise, promovido a distância nesta terça-feira (3) pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, com apoio da Folha e do MIS, o Museu da Imagem e do Som.

O longa de Ana Luiza Azevedo acompanha a pacata rotina de um idoso uruguaio que mora sozinho em Porto Alegre e possui limitações na visão. Por não ser muito próximo do filho Ramiro, papel de Júlio Andrade, que mora em São Paulo, a companhia esporádica de Ernesto, vivido por Jorge Bolani, são o vizinho Javier, papel de Jorge d'Elia, e a empregada Cristina, vivida por Aurea Baptista.

A vida metódica de Ernesto, com a organização milimétrica do escritório e idas a passos contados ao restaurante, é sacudida pelo encontro com Bia, papel de Gabriela Poester, uma jovem que passeia com os cachorros do prédio, e pela chegada das cartas de Lucía, uma amiga uruguaia de longa data. Unidos pela solidão e desamparo, Bia e Ernesto criam uma relação de amizade que transcende a diferença de idade.

Esse laço criado entre os personagens é importante, segundo a psicanalista Luciana Saddi, para entender a noção de perdas e faltas, intrínsecas à existência humana. “Viver, não importa a idade, é enumerar perdas. As personagens revelam que o desamparo, quando reconhecido, pode aproximar pessoas e gerar proteção.”

Ambos ressignificam as relações interpessoais. Segundo a psicanalista Ana Hoffman, Bia estimula a abertura de canais afetivos em Ernesto, escrevendo as cartas românticas para Lucía e gravando um vídeo para o neto. Por sua vez, o uruguaio possibilita uma outra experiência de relação para a jovem, a partir do acolhimento e respeito. "Eles vão nesse caminho de se vincular pelas necessidades, num plano da sinceridade e intimidade, para poderem se entender no profundo de cada um.”

A diretora e roteirista do filme, Ana Luiza Azevedo, conta que o ponto de partida para a criação do personagem idoso se deu durante a realização do filme “Antes que o Mundo Acabe", de 2009. Numa conversa com o fotógrafo do filme, Fábio Del Re, ele contou sobre a vivência com o pai, um fotógrafo italiano que morava em Porto Alegre e que, mesmo tendo muita autonomia, estava ficando cego, o que limitava a possibilidade de continuar morando sozinho e de trocar correspondências com a irmã que morava na França.

Além do relato de Del Re, a experiência da diretora com sua avó e outros idosos a ajudou na composição do filme. "Esse momento na vida não é fácil porque as limitações são impostas, não é possível as escolher. A questão é saber como lidar com elas."

Segundo a atriz Gabriela Poester, a imersão na personagem se deu, inicialmente, fora do set de filmagem. A atriz conta que leu “A Trégua”, de Mario Benedetti, que é o livro roubado pela personagem no filme, participou de rodas de poesia de rua e acompanhou a rotina de um amigo que cuidava de animais e dormia na casa de desconhecidos. "É o tipo de filme que você trabalha o personagem de uma forma e termina de outra porque ele se transforma", disse Poester.

O público, que participou pelo chat da transmissão, questionou se as debatedoras acreditam ser possível se preparar para a velhice do ponto de vista subjetivo e não apenas econômico.

Segundo a diretora, Ernesto estava num momento de decisão sobre qual velhice ele queria, a do isolamento preso a mundo analógico ou a do contato com um universo novo proposto por Bia. "Uma das formas de viver bem a velhice é não perder essas trocas com pessoas de outras idades. A troca com quem tem os mesmo assuntos é importante, mas ter outras ajuda a alimentar o desejo de seguir vivendo."

Azevedo afirma que a sociedade supervaloriza a juventude e não aceita a velhice, o que torna mais difícil, lidar com as limitações da idade. “Hoje eu entendo que o melhor jeito de envelhecer é fazendo projeto. É o que a minha mãe faz aos 89 anos. O projeto pode ser simples, como ir a determinado lugar, mas é preciso ter desejos.”

Hoffman lembra que é necessário desenvolver a capacidade de analisar e ter uma reflexão mais profunda do que se passa com a gente. "Viver é muito difícil, não só quando envelhecemos, mas desde que a gente nasce.” O debate pode ser conferido na íntegra no canal do MIS no Youtube. A próxima edição do ciclo vai debater o filme dinamarquês “Rainha de Copas”, no dia 17 de novembro, às 20h.

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