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Podcast investiga mistérios do cardápio do McDonald's que ninguém se perguntou

Episódios satirizam ex-pizza do fast food e atrai milhares de fãs sedentos por longas risadas

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David Segal
The New York Times

Se existe um deus das ideias ridículas que mais tarde parecem brilhantes, ele deve ter sorrido para Brian Thompson certa noite, quatro anos atrás. Roteirista de humor em Los Angeles, Thompson vivia ouvindo podcasts sobre crimes quando decidiu criar um programa que mergulhasse no mistério mais estúpido e menos importante que ele conseguisse imaginar. Por motivos que ele não sabe explicar completamente, sua ideia foi sobre o que aconteceu com a pizza do McDonald’s.

Talvez você seja jovem demais para lembrar. Ou talvez tenha esquecido. Ou quem sabe bloqueado as lembranças sobre o episódio. Mas o lar do Big Mac começou a vender pizzas, na metade da década de 1980, com a esperança de conquistar uma fatia do mercado dominado pelas cadeias nacionais de pizzarias dos Estados Unidos. Ninguém parece ter lamentado a morte da McPizza, e menos ainda ter proposto seu retorno. O que, para Thompson, tornava a questão ainda mais atraente, em 2016.

Caixas de lanche estampam termo "Big Mac"
Big Macs, do McDonalds, em foto tirada em 14 de janeiro de 2019, em Washington, nos Estados Unidos - Saul Loeb/AFP

“Ouvi falar disso quando era mais jovem, mas nunca nem experimentei a pizza”, disse ele. “E sabia que existem muitos McDonald’s que funcionam 24 horas por dia e, por isso, podia ligar para uma dessas lojas na hora.”

Ele ligou para duas lojas da rede. Na primeira, um funcionário desligou poucos milésimos depois de ele ter feito uma pergunta sobre a McPizza. Na segunda, o gerente que atendeu parecia honestamente não saber o que responder. “Desculpe por isso”, disse o gerente, educadamente. “Boa noite.”

Por volta das 3h, Thompson já tinha editado as ligações e acrescentado uma narração. Ele terminou a gravação com um anúncio bizarro que criou para a Squarespace, uma plataforma de hospedagem na internet, que afirmou falsamente ser a patrocinadora de seu programa.

“Squarespace”, disse Thompson em enunciação neutra mas animadinha. “Agora é fácil ter um site.” E depois ele subiu o primeiro episódio do podcast “Whatever Happened to Pizza at McDonald’s” (ou o que quer que tenha acontecido com a pizza no McDonald's, em português) para o iTunes. Foi o primeiro de 177 episódios.

O que começou como brincadeira com objetivo de divertir o autor e sua namorada evoluiu para algo muito mais rico —uma sátira aguçada sobre os podcasts, sobre o negócio dos podcasts e sobre as mazelas do jornalismo investigativo.

O podcast tem uma audiência básica de 30 mil ouvintes, incluindo um que tatuou acima do tornozelo uma fatia de pizza com as palavras “obrigado por sua franqueza”, a frase que Thompson diz depois de cada entrevista que revela algo sobre o mistério.

O show gerou uma versão online de um jogo de tabuleiro e um livro independente, “How to Be An Investigative Journalist”, ou como ser um jornalista investigativo, e Thompson gravou um episódio piloto de série que seu agente está tentando vender em Hollywood.

Enquanto tenta resolver o mistério da McPizza, Thompson transformou a persistência desavisada em quase uma arte performática.

Viajou a uma ilha remota no Alasca para estudar uma loja fechada da rede McDonald’s e foi à Casa Branca, onde terminou barrado no portão, para solicitar a ajuda do presidente Donald Trump, fã declarado de fast food.

Ele teve conversas bizarras, e ocasionalmente esclarecedoras, com dezenas de pessoas, entre as quais a vendedora de uma empresa de publicidade aérea. (Ele queria contratar um avião para voar puxando uma faixa com os dizeres “você sabia que o McDonald’s um dia serviu pizzas? Sim, é verdade. Eles vendiam pizza”. Mas o valor calculado para o trabalho estava acima de seu orçamento.)

Letra "M" destaca fachada de restaurante
Um dos restaurantes do McDonald's em foto tirada em 10 de setembro de 2016, na Pensilvânia, nos Estados Unidos - Karen Bleier/AFP

Um truque para manter a empreitada viva e divertida é a recusa de Thompson de aceitar respostas para a pergunta que serve de título ao podcast, um enigma cuja solução ele já tinha descoberto lá pelo quinto episódio.

A McPizza fracassou por motivos que deveriam ter sido evidentes antes ainda do lançamento. É um produto muito —muito mesmo— distante das especialidades da marca e seu preparo era muito mais lento que o dos demais produtos do cardápio. Bem simples.

De modo algum, argumenta Thompson. Na verdade, o texto do programa é todo narrado por um personagem que ele interpreta, um sujeito sério mas inocente também chamado Brian Thompson, que se considera um intrépido aventureiro envolvido em uma busca pela verdade, e que parece acreditar que o mistério que tenta resolver é fascinante.

“Meu personagem sempre se recusa a acreditar na realidade”, disse Thompson, numa entrevista por telefone. “E acho que isso abriu a possibilidade de fazer do podcast qualquer coisa que eu deseje.”

O McDonald’s é o alvo empresarial ideal para essa sátira absurda. Os porta-vozes da empresa jamais responderam a qualquer dos contatos de Thompson, o que permite que o podcast dê a entender que existe alguma coisa sombria e conspiratória acontecendo.

O podcast também aproveita acontecimentos e coincidências que podem facilmente ser retratados como sinistros. No começo da série, Thompson descobriu que um McDonald’s em Pomeroy, no estado americano de Ohio, era a última loja franquiada da rede que ainda servia pizzas, e levantou dinheiro por meio do site de crowdfunding Indiegogo para viajar para lá a fim de experimentar o produto. (Descreveu a pizza como “no mínimo tão gostosa quanto a da rede Little Caesars”.)

Ele questionou o motivo pelo qual a loja continuaria a vender um item que outras unidades da cadeia já não oferecem. Uma vez mais, foi difícil obter respostas definitivas, porque o dono da unidade franquiada se recusou a falar com ele. (Eu tampouco tive sorte. Quando fiz contato por telefone para perguntar sobre a singular longevidade da McPizza em Pomeroy, um supervisor na loja, Kevin Matheny, respondeu que não tinha "autorização para responder a essa pergunta”.)

Meses depois da visita de Thompson, o McDonald’s de Pomeroy parou de vender pizzas. O podcast retratou a decisão como uma represália contra o programa, um esforço desavergonhado para bloquear seus esforços de denúncia.

Isso só faz sentido na mente do Brian Thompson, cuja suposição básica é a de que o McDonald’s deveria voltar a vender pizza porque as pessoas adoram pizza e porque o objetivo da empresa é ganhar dinheiro. Assim, qualquer argumento usado para explicar o fim do produto é encarado com suspeita.

Para a delícia de Thompson, ele continua a identificar novos motivos para o cancelamento do produto.

Homem branco careca come salgado no espeto
O comediante Brian Thompson em Los Angeles em 4 de outubro de 2020 - Michelle Groskopf/The New York Times

Em dado momento, foi informado que existiu um McDonald’s em Adak, no estado do Alasca, uma ilha quase deserta em pleno mar de Barents. Por muitos anos, Adak abrigou quartéis do Exército e da Marinha dos Estados Unidos, na era da Guerra Fria, mas as instalações foram desativadas no começo da década de 1990, e o McDonald’s local foi fechado.

No ano passado, Thompson arrecadou dinheiro online para fazer a viagem de quase 5.000 quilômetros até a ilha, na esperança de que o restaurante fechado ainda abrigasse o cálice sagrado de sua busca –um forno de pizza do McDonald’s.

Ele viajou a Anchorage e lá apanhou um dos voos semanais de três horas de duração que levam a Adak. Assim que chegou, ele foi direto ao McDonald’s e ficou decepcionado ao descobrir que o local estava fechado e coberto por tapumes —não havia como entrar. A viagem parecia ter sido um grande fracasso.

Mas, enquanto Thompson se preparava para partir da ilha, seu anfitrião local do AirBnb sugeriu que ele ligasse para um homem chamado Larry, que, como ele descobriu, certa vez encontrou a carcaça de um forno de pizza numa casa de boliche fechada.

O forno evidentemente tinha sido retirado do McDonald’s fechado e instalado no boliche. Larry afirmou que o equipamento foi fabricado para o McDonald’s pela Garland Commercial Industries, de Freeland, no estado da Pensilvânia.

Segundo Brian Thompson, essa foi uma revelação comparável à formulação das leis da termodinâmica. Ele ligou para a Garland, e um representante o pôs em contato com um técnico que no passado cuidava dos reparos nos fornos do McDonald’s. E, ao contrário do pessoal do departamento de relações públicas do McDonald’s, o técnico era tagarela.

“Eles só foram usados pelo McDonald’s por dois ou três anos, porque programar era difícil demais”, disse o técnico, no episódio 143. “Não acho nem que existam manuais de programação para eles.”

E assim, para encanto de Thompson, depois de três anos de programa ele descobriu um novo motivo para o McDonald’s matar a pizza –os fornos eram um fiasco.

“Armado com esse tesouro de informações perigosas”, disse ele, para encerrar o episódio, “continuarei minha investigação na semana que vem”.

Por mais engraçado que o programa seja, há momentos de desconforto, quando Thompson está falando com empregados mal pagos que não têm escolha a não ser tratar diplomaticamente o esquisitão que está ao telefone. É um percalço do qual Thompson tem aguda consciência e que ele tenta evitar se pondo sempre como alvo da piada.

“Não quero que o podcast seja como aqueles programas que pregam peças nos ouvintes, embora eu adore esse tipo de programa”, afirmou. “O que quero de verdade é ser sempre a pessoa mais burra da conversa.”

Thompson cresceu no nordeste do estado da Louisiana, e originalmente sua esperança era escrever ficção. Ele derivou para o humor stand-up depois de se formar na universidade e, mais tarde, pouco antes dos 30 anos, começou um podcast diário de notícias científicas.

Isso lhe valeu um emprego em uma organização sem fins lucrativos de educação científica, em Los Angeles, que rapidamente implodiu. Ele começou a se apresentar e a escrever para o grupo de humor Upright Citizens Brigade e passou anos como roteirista de séries de humor na TV e fazendo trabalhos como locutor.

Mas nada do que fez teve o impacto de seu podcast. Um dia depois de ele subir o primeiro episódio, Thompson verificou a conta que tinha estabelecido para o programa no Twitter e encontrou diversas mensagens entusiásticas, entre as quais um tuíte de John Darnielle, da banda indie Mountain Goats, que escreveu “alerta sobre meu novo programa favorito”.

“Para mim a série é sobre branding e sobre como os podcasts cresceram”, disse Darnielle em entrevista. “Vimos sua evolução de um segmento sem fronteiras reais, sem regras de como agir, para uma mídia que tenta emular a televisão, com empresas que agrupam sete podcasts diferentes.”

Nos anos transcorridos desde que Thompson começou o “Whatever Happened to Pizza at McDonald’s”, o negócio dos podcasts floresceu, com programas e redes de podcasts adquiridos em transações milionárias.

Thompson não tem nada contra dinheiro e banca seus custos —cerca de US$ 100, o equivalente a R$ 569, 20, ao mês pela hospedagem do podcast— por meio de publicidade automática no programa. Mas se irrita com podcasts que turvam a linha entre o lado comercial e o lado editorial quando os apresentadores leem anúncios, uma prática que remete aos primeiros dias da televisão.

Ele zomba disso em seu podcast. Em cada episódio, ele escreve um anúncio para uma empresa real que não lhe pagou um centavo, entre as quais Audible e Spotify. Por algum tempo, ele mudou o título do podcast para “ZipRecuiter Presents Whatever Happened to Pizza at McDonald’s”, mas a ZipRecuiter enviou uma carta pedindo que ele parasse.

Às vezes Thompson satiriza o tópico de um podcast popular, o que em certos casos rende momentos muito engraçados. Quando a segunda temporada do podcast “Serial” —agora controlado pelo The New York Times— se concentrou em Bowe Bergdahl, um soldado americano que desertou no Afeganistão, Thompson produziu episódios sobre um soldado fictício que abandonava sua base em busca de uma McPizza.

Ele começou a falar sobre o McDonald’s no Afeganistão —e para sua surpresa descobriu um funcionário real de uma embaixada no Afeganistão que contou que existem restaurantes piratas de fast food espalhados pelo país, vendendo comida feita com base em receitas obtidas ilegalmente e cujos pratos incluem a McPizza.

“Isso me deu a ideia de que a receita da McPizza talvez tenha ficado disponível por certo tempo no mercado negro, em algum momento”, disse Thompson.

Essa é uma das muitas pistas que ele planeja seguir, o que pode o manter ocupado por tempo considerável. Há uma escola de segundo grau no estado de Utah que anos atrás enterrou uma cápsula do tempo que continha uma variante de McPizza servida em uma embalagem plástica. Ele terá de visitar o local.

E recentemente Thompson foi informado sobre um McDonald’s que existia em uma balsa, inaugurado para a Feira Mundial de Vancouver, no Canadá, em 1986 —mais ou menos quando estreou a McPizza.

“Meu sonho seria fazer aulas de mergulho e realizar buscas subaquáticas no ponto em que a balsa ficava atracada durante a feira”, disse ele. “Quero fazer um programa sobre buscar provas quanto à pizza do McDonald’s no fundo do rio.”

Tradução de Paulo Migliacci

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