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mostra de cinema

Proposta sofisticada de 'Dias' esbarra nos limites impostos pela pandemia

Novo filme de Tsai Ming-liang prolonga ideia de filme imersivo, mas deveria ter sido visto em salas de cinema

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Dias

  • Quando até quinta (5)
  • Onde Na plataforma mostraplay.mostra.org
  • Preço R$ 6
  • Elenco Lee Kang-Sheng, Anong Houngheuangsy
  • Produção Taiwan/França, 2020
  • Direção Tsai Ming-liang

Um diálogo sarcástico de “Um Lance no Escuro” (1975) descreve desse modo os filmes do diretor francês Eric Rohmer: “É igual assistir a tinta secando”. Nos últimos tempos, a emergência do “slow cinema” transformou o padrão da ação em Rohmer em algo mais parecido a “Velozes e Furiosos”.

“Dias”, último trabalho de Tsai Ming-liang, radicaliza o projeto, presente desde seus primeiros trabalhos, nos anos 1990, de mergulhar o espectador em uma experiência extraordinária, no sentido de incomum.

O tempo, nos filmes de Tsai, não é um fluxo descontínuo e condensado, como no cinema narrativo tradicional. Também não se trata do tempo comum, o que percebemos no cotidiano, que varia de acordo com nossas ações e atenções.

Em “Dias”, como na maior parte da obra de Tsai, o tempo deixa de ser uma abstração controlada por relógios para se tornar um movimento lento, um acontecimento que pode ser percebido a olho nu.

Ou seja, é exasperante para a maioria do público adestrada por narrativas ágeis. E a primeira impressão desse tipo de cinema é a de que não acontece nada.

A proposta do “slow cinema” é, resumindo de modo grosseiro, expor o invisível da existência, deter a câmera diante de um corpo e nos permitir senti-lo.

Por isso, o corpo de Lee Kang-sheng confunde-se com o corpo da obra de Tsai. Quem conhece outros filmes do diretor identifica não somente seu ator-fetiche, mas sobretudo o modo de filmar sua presença.

Tal como em “O Rio” (1997), algum tipo de problema muscular afeta Kang em “Dias”. As dores, uma extenuante sessão de acupuntura, o torturante corretor de postura e uma longa sessão de massagem adensam a corporeidade, atuam como um elemento que dá peso ao nosso olhar, em geral tão ligeiro.

Mas há outra dimensão física, não menos importante, que o filme incorpora de modo espetacular. As sonoridades da cidade, seu fluxo incessante de buzinas, ruídos, barulhos de avião e rumores são construídos de tal modo que não conseguimos escapar desse magma auditivo.

Nesse sentido, “Dias” prolonga a experiência imersiva de “The Deserted”. Enquanto nessa experiência em 3D de Tsai a casa e a natureza compunham um espaço que oscilava entre o material e o fantasmagórico, “Dias” amplifica essa possibilidade para o território urbano, para seu espaço de fluxos tão concretos, embora invisíveis.

A sofisticadíssima proposta de Tsai, no entanto, esbarra nas condições da exibição do filme na Mostra. Tal como “The Deserted” só fazia sentido no dispositivo 3D, a experiência imersiva de “Dias” só pode ser total dentro de uma sala de cinema.

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