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Livros

Taxação de livros é uma atitude nefasta do governo Bolsonaro

Tributação proposta por equipe do presidente vai na contramão do conhecimento e pode gerar desmonte na educação

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Major Olimpio

Senador da República (SP) e líder do PSL no Senado, é ex-deputado federal (2015-2019) e estadual (2007-2015), bacharel em direito e policial militar reformado

“Scientia potentia est” afirmou o célebre filósofo inglês do século 17, Francis Bacon, cuja expressão original em latim dá origem ao ditado popular "conhecimento é poder". É de intuir que essa frase vai ao encontro da ideia do grande filósofo Platão, com o "Mito da Caverna", que nos leva a refletir que fornecer conhecimento liberta o indivíduo.

Quando analisamos a fábula do filósofo grego em que um grupo de pessoas viviam presas dentro de uma caverna escura, verificamos que eles acreditavam ser a única realidade possível, pois só conheciam esta realidade. Porém, quando saíam daquele universo em que viviam e encontravam a luz do sol, figurada como o conhecimento, suas percepções do mundo mudavam e evoluíam, pois tiveram a oportunidade de expandir seus pensamentos.

Ou seja, uma nação que não possibilita o acesso ao conhecimento, à sabedoria para sua população, está fadada ao fracasso, uma vez que viverá somente “naquela caverna”.

Nessa mesma linha, observamos perplexos a proposta de reforma tributária enviada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, que prevê o retorno da tributação em 12% sobre livros. Atitude que age na contramão do incentivo à leitura e ao conhecimento.

Livraria Megafauna, recém-inaugurada no edifício Copan, em São Paulo - Gabriel Cabral -21.nov.2020/Folhapress

Caso a proposta do governo seja aprovada, as receitas com a comercialização de livros serão tributadas com a alíquota padrão da CBS, a Contribuição sobre Bens e Serviços. Não são necessárias grandes demonstrações matemáticas para concluir que o segmento será impactado e a população será atingida de forma direta, em especial a parte mais carente da sociedade.

No Brasil, há mais de 70 anos, desde a Constituição Federal de 1946, o produto é isento de impostos. Medida essa assegurada pela Constituição Federal de 1988 como um dispositivo para fomentar a educação no país.

Contra essa tributação nefasta, podendo gerar um desmonte no setor educacional, simbolicamente no Dia Nacional do Livro, celebrado dia 29 de outubro, tive a honra de receber junto ao grupo Defenda Livro, que luta contra a alta tributação de livros no Brasil, um abaixo-assinado com mais de 1 milhão de assinaturas. Número esse estratosférico, uma vez que a meta inicial era de 50 mil signatários.

Três estudantes conseguiram de forma exitosa fazer uma mobilização contra qualquer aumento de carga tributária sobre livros no Brasil. O abaixo-assinado foi criado três dias depois de entidades do setor do livro lançarem o manifesto “Em Defesa do Livro”.

Eu, na condição de senador da República e sub-relator e revisor da Comissão Mista Especial de Reforma Tributária, encaminhei esse documento para o conhecimento de todos os meus pares no Parlamento. Assim como para o presidente e ministros envolvidos na reforma tributária.

Vejo com grande preocupação essa taxação dos livros, que precisamos tratar com mais atenção. Isso assombra o progresso e a educação no Brasil, atingindo desde os donos de editoras, escritores e leitores, que serão impactados pelo aumento no preço final do livro. Essa cobrança irá aumentar a desigualdade do acesso ao conhecimento e à cultura em nosso país, já tão desigual socialmente.

Em tempo, há muito que possa ser tributado em vez de tributarmos os livros, o conhecimento, a educação. Na discussão da Reforma Tributária ficaram fora dos impostos aviões e barcos de luxo. Ora, estamos no caminho certo? Ou seria um Robin Hood ao avesso?

Considerando o estado do mercado editorial no Brasil e as peculiaridades desse segmento econômico, podemos presumir que o impacto será expressivo. Me parece aquela velha história do fazendeiro que, para eliminar o carrapato na vaca, matou o animal. Na mesma esteira: para solucionar o problema da educação e da desigualdade na área, não fornecemos o acesso a livro a ninguém.

Na prática, a cobrança impactará também os livros didáticos e religiosos, como a Bíblia. E chamo a atenção que o governo é o maior comprador de livros didáticos, os quais são distribuídos em escolas públicas pelo Ministério da Educação, secretarias de Educação estaduais e municipais. No ano de 2019, o governo federal gastou R$ 1,1 bilhão para adquirir 126 milhões de exemplares.

Ou seja, a isenção, iria, inclusive, aumentar os gastos do próprio governo. E ficamos na incógnita: o governo teria que aumentar o orçamento para comprar livros ou comprar menos exemplares. Em resumo: essa taxação seria desprovida de inteligência somada à falta de sensibilidade.

Não podemos ser inconsequentes, pois o Brasil possui baixos indicadores de leitura, com a média anual de livros lidos de apenas 2,43. Um número baixo se comparado a alguns países orientais, como a Índia e a China. Corremos risco para os próximos anos diminuir, e muito, esse número insatisfatório.

Registro que me senti orgulhoso e emocionado ao ver jovens defendendo essa causa. Me recordei de minha juventude em que os livros eram meus grandes companheiros de relaxamento mental após dias exaustivos de trabalho na Polícia Militar de São Paulo.

Além disso, o livro foi o grande instrumento na minha vida para o desenvolvimento da minha autonomia e caráter, promovendo a elaboração de pensamentos críticos e aprofundamentos acerca da realidade.

E é sempre bom lembrar que quanto mais educada for a nossa população, quanto menor forem as diferenças sociais, quando tivermos a possibilidade de ascensão social através do ensino, da cultura, onde todos possam sonhar em crescer na vida em razão da educação, os índices de segurança pública irão melhorar. A educação não é um dos caminhos para o desenvolvimento do Brasil, é o único caminho para a sociedade.

O Brasil tem ainda um longo caminho para percorrer, e quero somar na ajuda de não aumentar esse abismo, da taxação do livro, do conhecimento, e sim, estimular cada vez mais o hábito da leitura em nosso país para o nosso próprio desenvolvimento.

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