Descrição de chapéu Artes Cênicas

Teatro não vai resistir, ele vai sobreviver à gente, diz fundador do Grupo Tapa

Aos 41 anos, companhia famosa por montagens de autores clássicos se rende ao virtual em mostra de repertório

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São Paulo

O Grupo Tapa já passou por poucas e boas em seus 41 anos —espetáculos fracassados, crises políticas e econômicas, uma mudança de cidade. “Brinco que somos um grupo de baratas. Sempre levantamos”, diz a atriz Denise Weinberg, uma das fundadoras da companhia.

A pandemia foi o último desses contratempos. E teria ameaçado a sobrevivência do grupo não fosse uma campanha de financiamento coletivo lançada assim que os teatros fecharam por causa da pandemia, conta o diretor do Tapa, Eduardo Tolentino de Araujo.

A companhia deu, dessa forma, a volta por cima. E apresenta uma mostra de repertório online aos sábados, até 5 de dezembro, ao vivo direto do Teatro Aliança Francesa, sede do grupo por 15 anos. A programação volta em 2021.

O universo virtual pode parecer um contrassenso para uma trupe conhecida pela pesquisa de autores clássicos, como Tchékhov, Strindberg, Nelson Rodrigues —e para um encenador como Tolentino, que nem celular tem.

Mas o diretor fala com entusiasmo sobre a mescla de teatro, cinema e televisão a que as artes cênicas se renderam na pandemia. Mesmo que, ele reforça, o formato não possa ser chamado de teatro.

"Não existe volta ao passado, e não tenho nostalgia", diz Tolentino. "Nunca fui avesso a tecnologias. Não uso para redes sociais, essas bobagens. Mas ela é maravilhosa para pesquisa."

O grupo escolheu seis peças para a mostra de agora. Tolentino conta que a seleção obedeceu a dois critérios. Um era duração, já que transmissões longas cansam o espectador. Outro, o número de atores em cena. São no máximo cinco por montagem, para não causar aglomerações.

Uma vez eleitos os textos, o desafio era adaptar as encenações para a câmera. Tolentino conta que os atores tiveram que aprender a projetar menos a voz e a planejar seus gestos minuciosamente —do contrário, uma fala poderia ser abafada pelo som de um objeto que é apoiado na mesa, por exemplo.

“É algo novo, que acho que temos que usar e amadurecer”, afirma o diretor sobre o teatro transmitido pela internet. “Não gosto da ideia de pensar uma coisa a curto prazo. Se isso veio, foi para desenvolvermos algo em cima.”

Esse raciocínio de Tolentino talvez ajude a explicar a longevidade do Tapa. Ele descreve o fazer teatral como um ofício como qualquer outro, que exige dedicação, rigor técnico, atenção ao público, além do que chama de uma “antena para o que está acontecendo”.

“Fico incomodado com quem diz que o teatro vai resistir. O teatro vai sobreviver à gente. O que temos não é resistência, mas aprimoramento.”

“Somos que nem boteco, não podemos fechar. É a única coisa que sabemos fazer”, concorda Weinberg que, mesmo não integrando mais o grupo oficialmente, participa da mostra neste sábado com o monólogo “Uma Aventura Parisiense”, adaptado de um conto de Guy de Maupassant.

Embora não se identifique muito com o lema da resistência, tão bradado nos palcos brasileiros nos últimos anos, Tolentino afirma que o Tapa continua num momento complicado por causa da pandemia. Ele diz que a campanha SOS Tapa foi “um respiro”, mas não resolveu os problemas financeiros do grupo.

Além disso, acrescenta, o teatro do país já andava em crise antes do coronavírus, afetado por fatores como violência urbana, falta de verbas e, principalmente, um afastamento cada vez maior do público.

"Parece que vou usar o argumento dos nossos adversários, que falam que a cultura é financiada por um bando de gente que não faz nada, e não é o caso. Mas de alguma maneira, criou-se um mecanismo de fazer cumprir leis, e não para criar relação com o público. Nossos teatros viraram motéis culturais, dividindo seus palcos entre três produções. Muitos deles são auditórios."

Mesmo assim, ele diz acreditar que a companhia seguirá de pé. “Não digo que tenho medo de que o Tapa acabe porque todo mundo morre, e trabalhamos com uma arte efêmera. Mas a cada vez que acontece uma coisa dessas, em vez de desistir, você tem vontade de continuar. Cria anticorpos.”

Quem sabe, assim, se num futuro próximo as plateias não vão assistir a uma montagem de Beckett pela companhia —o irlandês é um dos poucos dramaturgos no rol dos clássicos que jamais teve um espetáculo encenado pelo Tapa.

“Acho que ele é o autor que melhor representa a humanidade hoje”, diz Tolentino.

“Se nos mudarmos para a Lua daqui a 500 anos, certamente teremos dois astronautas esfarrapados em frente a uma árvore de metal fazendo ‘Esperando Godot’. É essa a grande questão. O que fazemos enquanto esperamos a morte? Porque ela vai chegar.”

Uma Aventura Parisiense

O Oráculo

As Portas da Noite

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