Descrição de chapéu Flip África

Chigozie Obioma e Itamar Vieira Junior falam de seus livros narrados por espíritos

Na Flip, finalista do prêmio Man Booker e vencedor do Jabuti comentam suas obras que misturam tradição e atualidade

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São Paulo

Tanto o escritor nigeriano quanto o baiano escolheram entidades sobrenaturais como narradores de seus romances.

Os livros foram objeto de debate virtual da Flip, na mesa chamada "Ancestralidades", neste sábado (5). O mediador foi o jornalista, escritor e tradutor Ángel Gurría-Quintana, da Universidade Cambridge, no Reino Unido.

No romance "Uma Orquestra de Minorias", de Obioma, nigeriano de 34 anos, o espírito conhecido como chi é quem conta a história. Ele é a essência da cosmologia igbo, um grupo étnico africano do qual Obioma faz parte, e seria como o espírito de cada um, que existe desde antes do nascimento da pessoa e continua depois de sua morte.

Em "Torto Arado", livro de Itamar Vieira Junior, baiano de 41 anos, Santa Rita Pescadeira é uma das três narradoras da obra, vencedora do prêmio Jabuti de romance literário. Ela também é um espírito, parte do jarê, sistema de crenças que mistura catolicismo, tradições indígenas, espiritismo e elementos de religiões de matriz africana, que existe só no lugar onde se passa o romance, a Chapada Diamantina.

No debate, Obiama resumiu seu livro como "a trajetória de um jovem nigeriano de origem rural, que se encanta por uma menina rica e se muda para o Chipre para enriquecer e provar que merece seu amor, mas encontra um grupo de pessoas horríveis que o exploram por ser estrangeiro, tiram todo o seu dinheiro e o rejeitam por serem racistas".

Tanto ele quanto seu protagonista nasceram na Nigéria e viveram na parte turca do Chipre. O autor mora atualmente nos Estados Unidos, onde é professor de literatura africana e escrita criativa na Universidade de Nebraska-Lincoln.

O escritor lamenta não ter tido a oportunidade de vir ao Brasil. "Eu amo tanto o Brasil, devia ter nascido aí", diz. "Minha mãe e meu pai não iriam gostar de me ver fazendo essa brincadeira", disse na conversa virtual.

laptop num chão de folhas. na tela, três homens que conversam
Transmissão online da mesa sete da Flip, com Chigozie Obioma e Itamar Vieira Junior - Marlene Bergamo/Folhapress

Sua estreia literária, "Os Pescadores", de 2015, o pôs entre os principais nomes da literatura africana contemporânea. Ali ele se concentra na família Agwu, com quatro irmãos criados por um pai muito severo e com grandes expectativas para os filhos, mas para os quais uma profecia religiosa previa uma sina dramática.

Seus dois trabalhos misturam romances com história da Nigéria contemporânea e mitos tradicionais do país. Já foram traduzidos para mais de 30 idiomas e os dois foram finalistas do prêmio Man Booker, o mais prestigioso de literatura do mundo.

Itamar Vieira Junior revelou no debate que começou a escrever seu enredo aos 16 anos. "Não tinha maturidade para concluir o livro naquele momento. Voltei a ele quando achei que era capaz", afirmou. "A história foi se modificando ao longo dos anos, fui sendo influenciado pelos romances que fazem parte do cânone literário brasileiro dos anos 1930, que falavam do Nordeste brasileiro. Também fui trabalhar no campo, eu que sou da cidade, para aprender a linguagem dos camponeses", disse.

"Torto Arado" foi lançado em Portugal, em 2018, pela LeYa. No Brasil só chegou no ano seguinte, pela editora Todavia. "É sobre a vida de duas irmãs que seguem caminhos diferentes depois de um grave incidente, contada por meio de três narradores diferentes. Uma saga de herdeiros da diáspora africana, que vivem em todo o país, neste caso na Chapada Diamantina, e enfrentam conflitos agrários graves", disse no sábado.

Os dois livros têm em comum o uso de diferentes linguagens e a mistura de crenças tradicionais com narrativas atuais. "Escrever é um exercício de linguagem, uma tentativa de eliminar a distância entre a linguagem e o pensamento. Todos nós temos nossas tradições, mas nem sempre elas são registradas, e eu decidi preencher esse espaço", afirmou Obioma.

"Falamos muitas línguas portuguesas, temos muitas palavras com origens distintas, indígenas, de etnias africanas. Convivi anos e anos com camponeses, agricultores, fiquei imerso nessa oralidade", contou Vieira Junior. "Durante muito tempo gravei essas conversas e quando voltava pra casa transcrevia e encontrava palavras, construções sintáticas muito próprias. Isso me deu a oportunidade de escrever um romance que se aproxima dessas maneiras de falar mas que não é hermético", concluiu.

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