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Com Le Carré, espionagem se distanciou do glamour do mulherengo James Bond

Britânico, maior escritor de suspenses de espionagem e autor de 'O Espião que Sabia Demais', morreu aos 89 anos

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Rio de Janeiro

Maior escritor de suspenses de espionagem, o britânico John Le Carré morreu aos 89 anos, no último sábado, dia 12. Autor de livros como “O Espião que Sabia Demais”, de 1974, e “O Jardineiro Fiel”, de 2001, ele teve pneumonia —mas a doença não tinha relação com a Covid-19.

Le Carré ficou conhecido por livros que têm um texto elegante e repleto de detalhes reais do mundo dos espiões da Guerra Fria, que foi de 1945 a 1991. Nos anos 1950 e 1960, ele trabalhou tanto para os britânicos MI-5, que protege os cidadãos no Reino Unido, quanto para o MI-6, que emprega agentes secretos.

No cinema, James Bond encarnou o arquétipo desses agentes, a partir de romances escritos por Ian Fleming. O primeiro filme dessa lavra é “007 Contra o Satânico Dr. No”, de 1962. Foi nessa onda que David Cornwell assumiu o pseudônimo de John Le Carré e alcançou sucesso com seu terceiro livro, do ano seguinte.

“O Espião que Saiu do Frio” —chamado pelo escritor Graham Greene de “a melhor história de espião já escrita”— se distanciava desse ofício nos moldes do mulherengo Bond.

Seu anti-herói, que aparece em nove livros, inclusive em “O Espião que Saiu do Frio”, se chama George Smiley. Em vez de carregar armas e seduzir mulheres, é um burocrata acima do peso que usa chantagem e manipulação para conseguir as informações.

É uma versão muito mais realista e humana de um agente secreto trabalhando atrás da Cortina de Ferro. As aventuras, longe do ritmo frenético, são arrastadas e complexas, quando não até chatas.

Segundo Le Carré, as operações de inteligência britânicas estão cheias de ambiguidade. Por isso, ele tentava sempre priorizar o cotidiano dos agentes, e não os momentos de exceção. Seus personagens podem ser covardes com lampejos de coragem, profissionais atrapalhados ou pessoas de caráter questionável.

Essas descrições despertaram a ira de muitos de seus ex-colegas espiões, muito mais satisfeitos com o retrato de Sean Connery nas telas. No entanto, depois do sucesso de “O Espião que Saiu do Frio”, o dinheiro que ganhou permitiu que passasse a se dedicar inteiramente à literatura.

John le Carre
John Le Carré em Londres, em 2019 - Charlotte Hadden/The New York Times

“Acho que ele tranquilamente deixou de ser um escritor de gênero e será lembrado como talvez o mais representativo romancista da segunda metade do século 20 na Inglaterra”, disse o autor Ian McEwan ao The Telegraph há sete anos.

Em cinco décadas de carreira, Le Carré escreveu mais de 25 romances que se passam em diversos países e trazem diversos panos de fundo —mas, depois que o Muro de Berlim caiu, seus romances ficaram mais politizados.

É bem aí que se insere “O Jardineiro Fiel”, escrito em 2001 e que virou filme nas mãos de Fernando Meirelles quatro anos depois. Estrelado por Ralph Fiennes e Rachel Weisz, foi indicado a quatro Oscar e venceu um —o de Weisz.

Há uma longa lista de filmes baseados em suas obras. Logo em 1966, Richard Burton foi indicado ao Oscar ao protagonizar “O Espião que Saiu do Frio”. Anthony Hopkins, Diane Keaton, Pierce Brosnan, Gary Oldman, Philip Seymour Hoffman, Alec Guinness, Ewan McGregor e até Sean Connery interpretaram personagens criados por Le Carré em adaptações ao longo dessas décadas.

O escritor teve inúmeros best-sellers. “Um Espião Perfeito”, de 1986, por exemplo, foi descrito por Philip Roth como “o melhor romance inglês desde a guerra”.

Mas, inevitavelmente, ele sempre vai ser lembrado pelos livros da época da Guerra Fria. São eles que mostram o ápice de sua carreira, uma simbiose entre escritor e obra.

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