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Corro risco ao andar na rua, não na performance, diz artista não binária da Flip

Jota Mombaça, mais conhecida no meio artístico do que no literário, participa de mesa neste domingo (6)

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São Paulo

Jota Mombaça diz que, nos últimos anos, teve a sensação de estar sempre correndo. Só neste período, a artista de 29 anos que se define como uma "bicha racializada, gorda e não binária" se mudou do Nordeste para o Sudeste, e então para a Europa.

Agora, participa desta versão online da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, além de ter sido selecionada para a 34ª Bienal de São Paulo, adiada para o ano que vem por causa do coronavírus, ambos eventos disputadíssimos no cenário de arte nacional.

"Era como se eu corresse em busca de uma possibilidade de existir de um modo que não era suposto. Como se visse um caminho que desapareceria se eu perdesse tempo. Porque ele não é clássico. Não tem outros artistas saindo de Natal para o cenário de arte internacional", diz Mombaça, de bandana na cabeça e unhas com esmalte descascado, de sua casa em Lisboa, via Zoom.

Mombaça é mais conhecida nos círculos de artes plásticas do que nas de literatura. Antes do convite para esta Bienal de São Paulo, tinha integrado uma outra edição do evento, há quatro anos, com o coletivo Oficina de Imaginação Política. Também participou das bienais de Berlim e de Sydney.

Ainda assim, a artista, que conversa com o poeta trans americano Danez Smith numa mesa da Flip neste domingo, conta que a escrita está na base da sua obra.

No começo, como poeta e funkeira bissexta —ela chegou a fazer shows como MC K-trina, um dos pseudônimos que usa (o outro é Monstra Errátik). Mais tarde, escrevendo ensaios que, navegando por temas como descolonização e identidade de gênero, muitas vezes deram origem a performances artísticas.

Uma seleção desses textos, já editada em Portugal, será publicada pela Cobogó no primeiro semestre do ano que vem. O prefácio pode ser baixado de graça até o fim da Flip.

Entre os muitos temas que Mombaça explora no livro, como ficção científica, violência policial e racismo, um dos mais recorrentes é o do lugar de fala. "As narrativas benevolentes da aliança branca – fórmulas como 'dar espaço', 'dar visibilidade', 'dar voz', todas elas predicadas no desejo normativo de ajustar o mundo social— tem como limite mais evidente a incapacidade dessas mesmas narrativas de incorporar a dimensão negativa desse trabalho, ou seja 'perder espaço', 'perder visibilidade', 'perder voz'", escreve num dos ensaios.

A repórter pergunta sobre a polêmica desta edição da Flip, em que a curadora Fernanda Diamant pediu demissão do cargo a cinco meses da realização evento afirmando que ele precisava de uma organizadora negra para "reinventá-lo nesse mundo pós-pandemia", Mombaça responde que respeita Diamant, mas que enxerga no episódio um comportamento "clássico da branquitude de esquerda brasileira".

"Suspeito de uma visão de justiça social baseada em transações, que diz que agora vai ter um presidente negro aqui, uma âncora negra do Jornal Nacional ali. A escala do problema não é essa, mas estrutural. E operações como esta [da Flip], que acontecem sob o olhar atento das mídias como uma performance de justiça social, são contraproducentes porque se limitam às aparências."

Se a escrita continua presente na sua prática, a performance, até então o suporte mais frequente das suas obras, vem sendo cada vez mais repensado, conta Mombaça.

Ela diz que, numa investigação conjunta com a também artista Musa Michelle Mattiuzzi, percebeu que a performance se baseia em pressupostos formais que ela já vivenciava no cotidiano, como risco, visibilidade, efemeridade. "Risco eu corro quando vou à padaria. Ando na rua e as pessoas já me olham porque sou gorda, trans, racializada. Não preciso da performance para isso."

A preocupação com a sobrevivência de corpos como o dela, aliás, aparece com pungência no seu trabalho. Num dos capítulos do seu livro, a artista faz uma espécie de exercício de futurologia nefasto, escrito no mês seguinte à eleição de Bolsonaro. Nele, descendentes dos escravizados são tragados por uma fenda no chão e obrigados a viver em túneis subterrâneos.

Um amanhã que, segundo Mombaça, não é tão distante daquele que se desenha no horizonte na vida real. Mas, prossegue, seu pessimismo não é apático, e sim vivo. "É o pessimismo de quem diz que vai tudo piorar, e questiona —como proteger as vidas disso? Como afirmá-las?"

Vocigrafias Insurgentes

  • Quando Dom. (6), às 18h
  • Link: https://www.flip.org.br/
  • Com Jota Mombaça e Danez Smith; mediação de Roberta Estrela D’Alva
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