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Eileen Myles, a autora ícone queer da Flip, diz que se inspirou em Joana D'Arc

Escritora debateu sua vida de poeta na Nova York dos anos 1970 com tradutoras brasileiras

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São Paulo

Na quarta mesa da Flip, nesta sexta (4), com mediação de suas tradutoras Bruna Beber e Mariana Ruggieri, Eileen Myles, que teve seu romance “Chelsea Girls” (Todavia) lançado ano passado no Brasil, disse que sua poética poderia ser chamada de poética Joana D’Arc.

Respondendo a uma pergunta sobre essa relação que menionava as características da jovem guerreira francesa do século 15, como a bravura e o catolicismo, Myles, que tem formação católica e cita D’Arc numa passagem do livro, disse que as expectativas culturais que limitam as perspectivas das mulheres a fizeram observar “figuras femininas que faziam coisas que não eram para fazer”.

Já há anos, Myles optou por ser tratada pelo pronome “they”, que em inglês aplica-se a eles ou a elas —ou a eles e elas ao mesmo tempo. “Eu me experimento como multiplicidade”, declarou numa entrevista para a imprensa americana. As mediadoras ressaltaram esse desejo no início da mesa e pediram compreensão pela eventual dificuldade dos tradutores simultâneos em atendê-lo ao longo da conversa.

Mesa 4 da Flip, com Eileen Myles, transmitida pela internet por conta da pandemia - Marlene Bargamo/Folhapress

Eileen Myles nasceu em Boston em 1949, numa família da classe trabalhadora. Tinha 7 anos quando foi publicado “Howl e Outros Poemas”, de Allen Ginsberg, livro que marcou a chamada geração beat. Ele/ela —usemos assim para simplificar— mudou-se para Nova York em 1974, onde veio a conhecê-lo e a outros personagens daquela cena.

Atuou como poeta, artista e ativista cultural no ambiente da contracultura que fervilhava no Lower East Side, bairro de boêmios e contestadores, onde ainda vive. Por ali passaram inúmeros personagens marcantes da vida artística da cidade —e, em se tratando de Nova York, do cenário internacional.

“Chelsea Girls” é um romance multifacetado que evoca a vida incomum daquele período. Colagem de narrativas marcadas por sexo, drogas e transgressão, o livro, que tem uma mulher lésbica como protagonista, se transformou em referência da literatura “queer”.

Na mesa, Myles relembrou seu início em Nova York, quando a ideia de ser poeta publicado parecia fantasiosa e distante de sua realidade. Mais próxima estavam as performances e leituras de textos poéticos, que se tornaram comuns no bairro, com movimentos como o Saint Mark´s Project.

“Eu conhecia muitos compositores e era como se fosse uma cantora que não cantava.” Um tipo de linguagem que de certa forma, como é hoje o slam, era visto como não intelectual.

“Ser poeta naquela época era ser quebrado, sem dinheiro, tinha que ter cuidado para não se tornar um dependente de drogas”, disse, lembrando com ironia que o artista pop Andy Warhol “às vezes pagava um hambúrguer para os poetas amigos”.

Sobre a relação da poesia com a performance, foi além das questões mais recorrentes, como a vocalização de poemas, e afirmou que hoje vê o próprio exercício da escrita como uma atividade performática. Myles se declarou contra os adjetivos na poesia, porque “deixa o poema mais lento e o leitor não faz seu trabalho” —que seria o de participar da construção das imagens.

A propósito, esse aspecto foi comentado pelo crítico Sam Anderson, da revista do New York Times numa breve resenha do livro “Afterglow (a dog memoir)”, de 2017, quando disse que Myles “faz com que você tenha vontade de escrever”.

“Algo no movimento de suas frases atrai sua mente para tão perto da dele/dela que, sem mesmo tentar, no curso absolutamente normal da leitura, você absorve um pouco de sua energia criativa”.

Eileen Myles em preto e branco
Eileen Myles, ícone queer da contracultura, que participa da Flip - Libby Lewis/Divulgação

Sobre a convivência com a pandemia, ele/ela estava passando um período no Texas para escrever um romance e teve uma experiência de desorientação. Pensou se diante da situação que se anunciava ainda conseguiria escrever. “Fiquei presa na minha própria estranheza”, disse. E viu-se mais inclinada à poesia: “Poemas têm saído mais facilmente durante a pandemia.”

Embora o título da mesa fosse “Eileen para presidente!”, não se falou a respeito. É uma referência ao fato de que em 1991 e 1992, ele/ela se inscreveu e fez campanha para concorrer à Presidência dos EUA. Foi uma espécie de ação performática radical, com direito a turnê por 28 estados e aparições na MTV.

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