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Livros Flip

Em livro de Danez Smith, o corriqueiro e o trágico provocam êxtase e fúria

Americano, que participa da Flip, funde suas mensagens e performances nos poemas que escreve

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Alberto Pereira Jr.

Ator e jornalista, é responsável pelo programa ‘Trace Trends’, que vai ao ar na Trace Brazuca e na RedeTV

Não Digam Que Estamos Mortos

  • Preço R$ 55 (224 págs.)
  • Autoria Danez Smith
  • Editora Bazar do Tempo
  • Tradução André Capilé

“Aleluia! hoje eu passei/ por cinco carros da polícia/ & posso falar sobre isso”, relata Danez Smith no poema “Todo Dia É um Funeral & um Milagre”, que integra o livro “Não Digam Que Estamos Mortos”, que, agora, chega ao Brasil.

O timing do lançamento aqui —três anos depois de ter críticas elogiosas nos Estados Unidos, em 2017, ser finalista do prestigiado National Book Award, na categoria poesia, e vencedor do Forward Prize, na categoria melhor coleção— talvez reposicione a atenção e o poder do livro e da corporeidade representada por That Bitch —aquela vadia—, como Smith se define.

danez smith grita e tapa os ouvidos
O poeta americano Danez Smith, que participa neste domingo da Flip - Tabia Yapp/Divulgação

De pele negra, transexual, sem gênero definido e hoje vivendo com HIV, Smith nasceu no estado americano de Minnesota, o mesmo lugar em que George Floyd foi assassinado pela brutalidade policial, em maio deste ano.

Foi nos cultos batistas de sua infância que identificou o casamento potente de mensagem e performance que viria a incorporar como ferramenta de trabalho. Ler sua obra é um jogo de êxtase e inquietude, de introspecção e fúria.

Smith parte de sua perspectiva íntima (é ao mesmo tempo corpo, pessoa), mas insere sua negritude no coletivo e a intersecciona com gênero, sexualidade e sorologia.

Sua prosa e poesia questiona a binaridade das formas. Confessional, seu texto se beneficia deste conturbado ano, em que vidas negras ceifadas, em decorrência do racismo estrutural, parecem ter causado horror à branquitude.

Seja Floyd ou Miguel ou Ágatha ou João Alberto. A audiência negra entende essa dor e grita junto. Aliada ou não, a branquitude se viu obrigada a não desviar os olhos e a pensar sobre esses corpos que se somam aos mortos e contaminados pelo novo coronavírus.

A saber se tudo isso vai durar mais que uma hashtag.

É aí que o livro dá um passo além. Documento desse exterior, que é a um só tempo trágico e corriqueiro, comunga com questionamentos existenciais e essenciais de Smith.

“Agora, o que fazer com o meu avesso/ interno, como exatamente/ vou sobreviver/ aos policinhas correndo em minhas veias, caçando/ glóbulos brancos &/ ratatatá / estou morto”, segue That Bitch no mesmo poema que abre este texto. Polícia e Aids —a “bruxa rubra” como escreve— são igualmente algozes.

Mostra a voz lírica enfrentando (quase) displicentemente dilemas como a hipersexualização e objetificação do corpo negro LGBTQIA+. “Eu sento na cara de um cara que acabei de conhecer/ ele sussurra seu nome no chão da minha boca/ eu canto uma canção sobre estar só”, narra em “Nota no App do Celular Que Diz a Que Distância Estou da Boca de Outros Homens”.

A obra é uma travessia e a edição acerta ao contextualizar elementos culturais dos Estados Unidos. No elenco desta Flip, Smith tem carisma, talento e labor. Merece atenção e espaço, para além do olhar que o torna exótico.

“Quanto tempo/ é necessário/ pra uma história/ Tornar-se uma lenda?/ quanto tempo antes/ uma lenda/ torna-se/ um deus ou um esquecimento?/ vamos lamentar/ até esquecer o que estamos lamentando/ é disso o que se trata ser negro?”, diz em “Não É uma Elegia”. Esperemos que não.

Danez Smith

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