Descrição de chapéu Flip

Flip começa com Bernardine Evaristo exaltando diferença entre mulheres negras

Abertura da festa literária, que terá edição virtual, teve a britânica falando sobre seu 'Garota, Mulher, Outras'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A Festa Literária Internacional de Paraty começou sua primeira edição totalmente virtual com a escritora britânica Bernardine Evaristo, que exaltou as diferenças entre as mulheres negras.

"Eu fiz amizade com todo tipo de mulher na minha vida relativamente longa" , disse a autora de "Garota, Mulher, Outras". "Absorvi todas elas ao longo de décadas, e quando escrevi meu romance, elas iam saindo. Quando as mulheres negras dizem que as personagens parecem com elas, que se sentem vistas, eu entendo. Eu, como mulher negra, escrevi um livro sobre nós."

O livro de Evaristo, "Garota, Mulher, Outras", costura a narrativa de 12 protagonistas negras em uma prosa experimental que parece construída em versos, com períodos curtos e sem pontos finais.

A narrativa arrojada arrebatou a crítica e transformou, no ano passado, a escritora na primeira mulher negra a vencer o prêmio Booker, um dos mais prestigiosos do mundo.

"As personagens nasceram quase totalmente formadas", continuou ela. "São mulheres muito diversas e uma pessoa não binária, e era importante que fossem distintas para mostrar um pouco da multiplicidade de quem somos no mundo."

Stephanie Borges, poeta e tradutora que mediou a conversa, lembrou que a escritora Audre Lorde dizia "se recusar a usar definições fáceis de negritude" e afirmou que o romance de Evaristo era o exemplo radical dessa ideia.

As personagens do livro variam drasticamente em posições políticas, idades, sexualidades. Mas a autora disse que tinha um horizonte comum para elas.

"Eu queria que todas as mulheres, de algum jeito, fossem triunfantes. Mesmo que tivessem traumas e dificuldades em sua vida diária, queria que tivessem alguma vitória e não fossem vitimas. Eu não tenho o menor interesse em falar de nós como vítimas. Isso não serve a propósito nenhum."

Para criar uma obra com ar tão grande de novidade —partindo do distanciamento que Evaristo, também dramaturga, sentia do teatro e da ficção feita por homens brancos britânicos—, era crítico que o formato também fosse arrojado.

"Essa escrita experimental foi uma liberação para a história que eu queria contar", afirmou ela. "Encontrei nesse fluxo livre um jeito de contar algo que ainda não tinha sido contado de uma maneira que parecia certa para a narrativa."

Ao comentar a personagem não binária do romance, Morgan, Evaristo afirmou a "liberdade total" da arte em retratar grupos a que seus autores não pertencem, como é o caso, ressaltando que isso vem com uma responsabilidade.

"Eu não mostrei a história aos meus amigos não binários e perguntei o que achavam, porque não queria que ninguém me censurasse. Queria contar do meu jeito. E tem sido um alívio, porque ninguém me criticou até agora."

Evaristo disse que, mais interessante que discutir se uma pessoa cisgênero escreve sobre uma trans ou uma branca escreve sobre uma negra, é discutir a maneira como fazem isso e como o mercado recebe esses autores.

Usou como exemplo o livro "The Help", que deu origem ao filme oscarizado "Histórias Cruzadas". "A autora desse livro cresceu, nos anos 60, numa família rica do sul dos Estados Unidos, tinha uma empregada afroamericana e decidiu escrever da perspectiva dela. Eu critiquei muito o livro quando ele saiu, achei explorador. Mas ela tinha o direito de escrever."

A grande questão, diz Evaristo, é que a autora, Kathryn Stockett, "era uma mulher branca, loira, e a indústria promoveu muito a ela e seu livro". "O problema é se houver um monte de autores cis escrevendo sobre pessoas trans e nenhum trans sendo publicado."

empregada negra de costas para mesa com mulheres brancas
Viola Davis no filme "Histórias Cruzadas", de 2011 - Divulgação

"Mas, de toda forma, o trabalho do escritor é habitar personagens que não são eles mesmos", seguiu a britânica. "A ficção é uma grande ferramenta para diminuir a ponte entre nós, afinal, todos temos uma humanidade em comum. Algo que espero que as pessoas entendam sobre 'Garota, Mulher, Outras', é que é sobre a nossa humanidade comum."

O evento deu o pontapé inicial numa Flip diferente de todas as outras, que acontece sem um autor homenageado e em ambiente virtual. O número de pessoas que acompanharam a conversa de uma hora entre Evaristo e Borges oscilou o tempo todo ao redor de 400.

A festa pretende manter ainda alguma ligação com Paraty, tanto pelas três mesas Zé Kléber, gravadas com antecedência na cidade, quanto nos vídeos curtos que introduzem a programação com pessoas que moram ali.

Mauro Munhoz, diretor artístico do evento, leu um texto antes do início da mesa, dizendo que "palavras como separação e distância poderiam ter definido a Flip", mas "felizmente a palavra é viva e percorre seus caminhos próprios".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.