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Marcius Melhem mostra mensagens que sugerem amizade com Dani Calabresa

Diretor diz que atriz não pareceu traumatizada depois de suposto episódio de assédio sexual

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Rio de Janeiro

O ator e diretor Marcius Melhem reuniu uma série de mensagens trocadas com a atriz Dani Calabresa na tentativa de provar, na Justiça, que os dois mantinham uma relação íntima e amigável entre os anos de 2017 e 2019, época em que, segundo uma reportagem recente publicada na revista piauí, ele a teria assediado moral e sexualmente.

As mensagens integram uma notificação extrajudicial encaminhada nesta semana pela defesa de Melhem ao email de Calabresa para que, no prazo de cinco dias, ela confirme ou negue o teor da reportagem segundo a qual ela teria ficado traumatizada pelo assédio do humorista.

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O humorista Marcius Melhem - Estevam Avellar/TV Globo

Em dezembro do ano passado, vieram à tona notícias de que Melhem teria assediado moralmente atrizes do núcleo de humor da TV Globo. Neste ano, em outubro, falando pela primeira vez sobre esses episódios, a advogada Mayra Cotta, representante das mulheres que se dizem assediadas por Melhem, comentou os supostos atos de abuso sexual do ator em entrevista à colunista Mônica Bergamo.

Mas, até agora, ninguém entrou com ação na Justiça por crime de assédio. Lembrando não ser ainda alvo de qualquer denúncia formal, Melhem agora diz em conversa com a reportagem da Folha que “do jeito que a coisa está posta é leviano, descompromissado e inconsequente”.

Não posso ser julgado pelo tribunal das redes sociais. Isso é linchamento, inquisição. Estou pedindo para ser julgado. Quando alguém acusado de um crime tem que ficar implorando para ser julgado?”

Sua notificação extrajudicial, enviada agora por sua defesa e assinada pelos advogados José Luis Oliveira Lima e Ana Carolina Pivoesana, é uma medida preparatória para fundamentar um futuro processo de Melhem contra a revista piauí e a atriz.

Entre as sete conversas reproduzidas no documento, está uma mensagem de voz enviada por Calabresa no dia 12 de novembro de 2017, oito dias depois da confraternização, em que, segundo a reportagem, ela teria sofrido assédio sexual de Melhem.

Na data, dia de seu aniversário, Calabresa enviou mensagem a Melhem agradecendo a ele por uma postagem que fez no grupo de WhatsApp do programa “Zorra”, da TV Globo, em que ele a felicitava. Em retribuição, a atriz enviou um áudio privado em que se diz fã de Melhem —“eu te amo”, afirma— e propõe uma viagem à Disney com as filhas do ator, que então ocupava o cargo de redator final do núcleo de humor da TV Globo —ele foi demitido em agosto deste ano, depois de 17 anos de trabalho na emissora.

“Chefe, estou mandando este áudio para agradecer a mensagem linda que você mandou no grupo. Todas as mensagens que você manda sempre de apoio e de carinho. Nossa, você não tem ideia como fico feliz de saber que você me acha talentosa. Eu sou sua fã para caralho”, afirma ela.

Na mensagem de voz, Calabresa também agradece a Melhem pelo que chamou de um “trabalho tão legal”. “Estou muito feliz de verdade. Te amo muito. Um beijo para as suas filhinhas lindas. Vamos para a Disney juntos”, acrescentou.

Procurada, Calabresa se manifestou por meio da advogada Mayra Cotta. Em nota, ela diz que a “interpelação repete estratégia comum a casos similares”.

“Objetiva intimidar não apenas uma vítima específica mas outras que ainda permanecem protegidas sob sigilo e até mesmo testemunhas, como se isso fosse capaz de apagar os graves fatos narrados e cuidadosamente checados com dezenas de pessoas citadas pelas matérias.”

Questionado se a iniciativa pode ser vista como uma tentativa de coação, Melhem disse estar se defendendo do que chama de narrativa falsa sobre a qual Calabresa ainda não se manifestou. “Estou numa encruzilhada por parte da opinião pública. Se mostro alguma coisa, estou expondo as vítimas. Se vou para a Justiça, estou intimidando a advogada”, diz ele. “Me defendo onde?”

Melhem conta que costuma guardar as mensagens e que, por isso, todas as suas relações estão documentadas. Sobre a exposição de trechos de suas conversas com Calabresa, o ator afirma estar mostrando um trecho minúsculo, que não expõe a atriz.

“Estou mostrando coisas que expõem a relação amistosa que temos. Não é expor uma suposta vítima. Estou mostrando que eu e a suposta vítima tínhamos uma relação no período que a revista diz que ela estava traumatizada comigo”, diz. “É só para contrapor uma narrativa falsa.”

Para atestar a veracidade dos diálogos, Melhem contratou ainda uma empresa especializada que realizou procedimentos forenses de coleta e guarda das mensagens, o que comprovaria a integridade dessas informações.

Na notificação, a defesa de Melhem afirma que toda a correspondência posterior entre eles também evidencia que a relação pessoal e profissional dos dois “se manteve harmoniosa, com a mesma afetuosidade, nos meses e nos anos seguintes à festa” que foi relatada pela revista piauí.

Como exemplo, foi reproduzido um trecho de uma mensagem enviada em novembro de 2018, um ano depois daquela festa. “Ai, te ‘aminho’, muito, muitas saudades, pena que a gente se encontra pouco, mas eu sinto uma intimidade que, assim, eu posso mandar áudio, eu posso mandar mensagem a qualquer hora.” A interpelação inclui ainda mensagens em que a atriz chama Melhem de “o mais profissional dedicado caprichoso ‘workaholiquinho’” e “ciborguinho”.

A inclusão do trecho é uma tentativa de desqualificar a narrativa, atribuída a ex-subordinadas de Melhem, segundo a qual Calabresa teria ficado traumatizada depois de ser assediada por ele.

“Não forcei Dani Calabresa a nada naquela noite”, disse Melhem, nesta entrevista, acrescentando que só revelará na Justiça sua versão do que aconteceu naquela noite.​

Segundo a estratégia de desmonte da versão de que Calabresa estaria traumatizada, a notificação afirma que “as comunicações apontam a existência de uma relação saudável, permeada por afeto e respeito profissional mútuo, que perdurou sem qualquer tipo de desavença até maio de 2019” e menciona a troca de mensagens no dia seguinte à festa.

Na tarde de 5 de novembro de 2017, no grupo do “Zorra”, Calabresa cumprimenta os organizadores do evento da véspera e, usando uma gíria, acrescenta “festa ‘bapho’”.

Ao justificar sua decisão de interpelar a atriz, Melhem lembra que Calabresa nunca tocou no seu nome, mas que “o modo com que vem se comportando nas redes sociais dá a entender que ela concorda”.
“Preciso saber se ela concorda. Se ela concordar, é totalmente inverídica, aí a gente tem que estudar que medidas tomar”, acrescentou o ator.

A notificação reproduz uma postagem da própria Calabresa como indício de que a reportagem “apresentou informações falsas”. Em setembro de 2017, a atriz publicou uma imagem em que corre na praia durante a gravação de um quadro em que interpreta uma salva-vidas sensual.

Segundo a revista piauí, Melhem teria visitado Calabresa no camarim dos estúdios da Globo para ver seu corpo no maiô antes da gravação.

Como essas cenas foram gravadas na praia de Grumari, na zona oeste do Rio de Janeiro, e sem a presença de Melhem, a defesa do ator confronta Calabresa para que ela se pronuncie sobre o episódio.
Mesmo anos depois do incidente, Melhem e Calabresa continuaram trabalhando juntos —o ator, por meio da coleção de mensagens que apresenta agora, tenta provar que essa relação era harmoniosa, sem qualquer trauma.

Integrantes do núcleo de humor da Globo testemunharam a desavença apontada como o estopim da crise que levou ao rompimento entre Calabresa e Melhem.

Teria sido na noite de 3 de maio do ano passado, uma sexta, durante a leitura do piloto do que viria a ser o programa “Fora de Hora”. Escalada como âncora de um telejornal satírico em que contracenaria com o ator Paulo Vieira, Calabresa, segundo testemunhas, assistiu à bem-sucedida performance do ex-marido, o humorista Marcelo Adnet, e se queixou do texto reservado a ela.

Sentado entre ela e Melhem, Vieira, de acordo com relatos, também ouviu Calabresa repetir que preferiria contracenar com Bento Ribeiro na bancada do telejornal.

Em resposta, Melhem teria dito que Vieira, um artista em ascensão, já era o escolhido e que Ribeiro sofria resistência entre os autores e a direção artística do programa.

Segundo participantes, Calabresa chorou, repetindo que aquele não era o “Furo”, programa que estrelara dez anos antes ao lado de Ribeiro, na MTV. Melhem respondeu que não reproduziria um humorístico exibido uma década atrás.

Calabresa, que então estaria às lágrimas, segundo relatos, perguntou se ao menos poderia levar autores de sua confiança para o programa. Diante da equipe que redigiu o piloto, Melhem, de acordo com testemunhas, reagiu, exaltado.

Ele teria se recusado a atender os pedidos da atriz, dizendo que naquele time estavam os melhores redatores do país e destacando o seu próprio talento como roteirista.

Desconfortavelmente sentado entre os dois, Vieira acompanhou o bate-boca, de acordo com testemunhas. Melhem teria pedido desculpas a ele pelo constrangimento. Ainda segundo relatos, Vieira uniu as mãos em forma de oração e disse que só tinha a agradecer.

O desentendimento precipitou o fim da reunião. Os participantes deixaram o apartamento de Melhem enquanto um grupo, incluindo ele, tentava tranquilizar a atriz. Dois redatores foram encarregados de se reunir com Calabresa na semana seguinte para a elaboração de um texto que a agradasse. Mas não houve acordo.

Na terça-feira, dia 7 de maio, Melhem repreendeu a atriz e disse que repensava sua escalação para a bancada do programa. “Você chorar, reclamar que não tem seus autores, que tinha ator demais humilhou muita gente que chorou depois também”, escreveu, segundo a notificação extrajudicial encaminhada à atriz.

Calabresa foi substituída. Com a aprovação do programa quatro meses depois, Calabresa passou a expressar críticas a Melhem, à época chefe do departamento de humor da TV Globo. Outras mulheres insatisfeitas com o comportamento de Melhem depois se uniram a Calabresa.

Com a eclosão de denúncias de assédio moral e sexual, inclusive de Calabresa, ex-subordinadas de Melhem criaram um grupo de mensagens para encorajar, de forma incisiva, a adesão de outras mulheres. Temendo retaliações, integrantes da equipe pediram que não fossem identificados ao relatar disparos de telefonemas e mensagens para que engrossassem uma campanha contra o ator.

Melhem diz que hoje faz sessões quase diárias de terapia e afirma ter cometido erros nas relações pessoais, como falta de empatia e sensibilidade, além de traição.

“Nas relações pessoais, hoje entendo que fui tóxico várias vezes. Feri e magoei várias pessoas, sobretudo minha ex-mulher.” Mas ele nega crime de assédio. “Do ponto de vista profissional, não persegui ninguém, não coagi ninguém”, ele afirma.

Mas, revendo sua conduta, diz que não repetiria atitudes, como se relacionar com pessoas no ambiente do trabalho. “Isso sempre foi visto como algo normal, foi naturalizado. No meio artístico em geral, isso acontecia e continua acontecendo. Hoje consigo enxergar com clareza os riscos, os erros e as consequências de você se relacionar com pessoas que muitas vezes estão abaixo de você.”

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