'Não é Renato Russo, é Legião Urbana', diz Dado sobre fitas apreendidas

Guitarrista do grupo diz não haver inéditas em material retirado pela polícia de galpão e entregue a filho de Renato Russo

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São Paulo

Dado Villa-Lobos chama de “bizarra” e “estranha” a apreensão de 91 itens da banda da qual foi guitarrista, a Legião Urbana, feita pela Polícia Civil no Rio de Janeiro.

A operação, batizada Tempo Perdido, aconteceu nesta quarta, num depósito no bairro do Cordovil, na zona norte do Rio, usado pela gravadora Universal Music, detentora dos direitos dos fonogramas.

O músico, que está em Lisboa, diz que as fitas não são só de Renato Russo, mas da Legião Urbana, da qual também fez parte o baterista Marcelo Bonfá e o baixista Renato Rocha, morto em 2015. “Não é Renato Russo, é Legião Urbana”, diz Dado. “Isso me pertence, pertence ao Bonfá e ao Renato [Rocha].”

O material apreendido —composto por fitas cassete, fitas master e CDs— será entregue a Giuliano Manfredini, filho de Renato Russo e herdeiro do músico. Segundo sua assessoria, as fitas e CDs estariam extraviadas, sem que ninguém soubesse onde estava.

“O que aconteceu ontem foi que a polícia e a Justiça brasileira invadiram a propriedade privada de uma multinacional chamada Universal Music, uma das maiores do planeta”, diz o guitarrista. “Os discos, os fonogramas da Legião até [o disco de 1997] ‘Uma Outra Estação’ pertencem à companhia de discos, a Universal. E é claro que durante o processo de gravação tiveram sobras, coisas que a gente não usou e que ainda estão lá."

Dado faz uma analogia com a televisão. “Imagine que chega um herdeiro da Janete Clair com um mandado judicial e a Polícia Civil entra nos arquivos da Globo e fala que quer as fitas de todas as novelas que a Globo já produziu. ‘Me dá aí que eu quero botar em casa.’ É mais ou menos isso. E os imbecis da Globo não perceberam esse fato. E queria dizer que a responsabilidade plena e total é da Universal Music.”

O Jornal Nacional, da TV Globo, em sua edição desta quarta, apresentou reportagem sobre a apreensão das fitas.

Em comunicado, a Globo afirma que a reportagem "é baseada nas declarações do delegado e, principalmente, no inventário feito pelo produtor musical Marcelo Froes, anexado ao inquérito". A comunicação do canal ainda diz que "a matéria não afirma a quem pertence o material apreendido". "Diz que o material 'ficará sob a responsabilidade do filho do Renato Russo, Giuliano Manfredini'", lembrando que esta é a decisão judicial.

A busca por músicas inéditas de Renato Russo —e consequentemente— da Legião Urbana já havia sido alvo da operação Será, no final de outubro. Na ocasião, a polícia do Rio disse ter apreendido 30 composições supostamente inéditas de Renato Russo, que estariam em posse do pesquisador e produtor musical Marcelo Froes. Ele teve computador, HDs e celular apreendidos.

Inéditos Renato Russo caso de polícia
Polícia apreendeu supostas canções inéditas de Renato Russo em estúdio usado pelo artista no Rio de Janeiro (RJ) - Reprodução

Segundo Dado, Froes foi contratado entre o fim dos anos 1990 e o começo dos 2000 pela EMI —depois comprada pela Universal— para digitalizar as fitas da Legião Urbana, incluindo as sobras de estúdio. “De todos os discos, mais de 200 fitas”, diz. “É um trabalho pelo qual ele foi remunerado pela companhia de discos. Ele não tem nada a ver com isso. É um material da gravadora.”

Dado ainda diz que Froes enviou, na mesma época, diversos CDs com as gravações que ele havia digitalizado para ele e Bonfá, assim como para a família de Renato Russo. De acordo com a reportagem do Jornal Nacional, segundo informações da polícia, o resultado do levantamento nunca teria sido apresentado à família do cantor.

“O que aconteceu é que Marcelo Froes, depois de fazer seu trabalho, fez um relatório que mandou para mim, Bonfá e família [de Renato Russo]. Eu tenho todos os CDs que ele mandou para eu saber o que tinha em cada fita. É muito simples. Tentamos lançar essas sobras agora nos 30 anos do ‘Dois’ [álbum da Legião Urbana], na edição de comemoração. A gente tentou e o rapaz [Giuliano Manfredini] não autorizou.”

Sobre o conteúdo das fitas, Dado diz que não há músicas inéditas, mas sim registros históricos de sobras de gravações, ensaios e material inutilizado. Uma dessas gravações é uma versão de “Juízo Final”, música de Nelson Cavaquinho que a banda decidiu não lançar porque não coube no vinil do álbum “Dois”, de 1986.

Integrantes da banda Legião Urbana: à esq. Marcelo Bonfá [bateria], Renato Russo [vocal] e Dado Villa-Lobos [guitarra] - Divulgação

Há ainda uma versão em inglês da música “Fábrica”, e uma música instrumental chamada “O Grande Inverno na Rússia”. No material apreendido pela polícia na quarta haveria uma versão em reggae de “Faroeste Caboclo”. Segundo Dado, não se trata de uma nova versão, mas sim de trechos das gravações originais, já que a própria música tem um trecho feito em reggae.

“Essas pessoas são muito estúpidas. Tem um reggae no meio da música. Eu estava lá gravando. As pessoas estão falando qualquer coisa", diz Dado. "Passamos dois dias gravando ‘Faroeste Caboclo’, uma música de nove minutos –gravamos em dois pedaços, a parte acústica e depois a elétrica, e foi colado na fita. É lamentável ouvir isso.”

De acordo com a reportagem do Jornal Nacional, haveria também ao menos uma música totalmente inédita chamada "Helicóptero". Segundo Dado, essa gravação não é uma música inédita e “deve ser o riff de ‘Daniel na Cova dos Leões’”, música da Legião composta por Renato Russo e Renato Rocha para o álbum "Dois".

Dado ainda disse que todos os contratos da banda foram assinados por todos os integrantes e que o material estava “pelo menos bem guardado”. “Essas fitas vão apodrecer num lugar, não sei onde, porque lá na [empresa] Iron Mountain [o galpão onde foi a apreensão] estavam climatizadas e preservadas. A gravadora, que é dona desse arquivo, paga mensalmente esse serviço.”

Decepcionado com a situação, o guitarrista diz que “podem queimar” essas fitas e que já está trabalhando para impedir “qualquer lançamento de qualquer música da Legião que tenha uma nota do meu instrumento”.

Procurada, a Universal disse que foi “surpreendida com este mandado de busca e apreensão em seu arquivo de tapes e está providenciando acesso ao inquérito policial para ter conhecimento do que se trata para tomar as medidas legais cabíveis”.

Segundo sua assessoria, Giuliano Manfredini teria ficado emocionado ao reconhecer a letra de seu pai nas fitas. Ele foi chamado a comparecer à delegacia na Cidade da Polícia, complexo também na zona norte carioca, e manuseou com o delegado o material recebido, que chegou ao local numa van.

Carlos Trilha, ex-produtor dos discos solo de Renato Russo, disse à época da operação Será não haver música inédita do cantor que já não tenha sido publicada, mas sim alguns poemas e letras, rascunhados em cadernos, que ainda não vieram a público.

Nesta quinta, ele reforçou à reportagem não existir nada de novo. "As fitas são as originais, que estavam onde deveriam estar, no depósito da Universal, proprietária dos fonogramas", disse. "É a batalha dos leigos parte dois", acrescentou.

Renato Russo morreu em 1996, em decorrência de complicações do HIV, e seu material inédito foi explorado no disco “Último Solo”, que chegou ao mercado depois de sua morte.

Colaborou João Perassolo

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