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O que levou um israelense a filmar a vida de uma família no interior de Minas Gerais?

'Leaving Paradise' retrata comunidade alternativa formada por um casal e seus 15 filhos no jardim do Éden mineiro

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Tel Aviv

O que levou um cineasta israelense a viajar milhares de quilômetros para acompanhar a vida de uma família brasileira no interior de Minas Gerais? Segundo o documentarista israelense Ofer Freiman, de 37 anos, o motivo foi instinto.

Há seis anos, ele conheceu Fanny, uma argentina que vivia em Israel, e ficou curioso quando soube que ela estava prestes a se casar com um brasileiro de uma família de 15 filhos, todos artesãos e que moram juntos numa espécie de comunidade camponesa, a vila Barroló, perto de Conceição das Alagoas, em Minas Gerais. E mais –que todos pretendiam se converter ao judaísmo e imigrar para Israel.

Pouco tempo depois, Ofer voou para o Brasil para ver tudo com os próprios olhos. Desembarcou em São Paulo e pegou sete horas de estrada até a vila Barroló. Pensou que documentaria um vilarejo idílico inspirado num kibutz, as vilas comunitárias em Israel, no meio da abundante natureza brasileira. Imaginou que acompanharia o processo que culminaria na eventual imigração da família para Israel.

Mas o resultado do documentário "Leaving Paradise", ou deixando o paraíso, em português —vencedor do 36° Festival Internacional de Cinema de Haifa, que aconteceu em outubro— é bem mais complexo.

"Concluí que até no paraíso há conflitos", diz Freiman, que viajou cinco vezes ao Brasil em seis anos para documentar a vida da família do patriarca Antônio Cleófas de Oliveira Bezerra, de 65 anos, o Cléo, a matriarca Anita Braga Bezerra, de 60 anos, a Nitinha, os 15 filhos e outros tantos netos e agregados.

O júri do Festival de Haifa justificou a premiação afirmando que “Leaving Paradise” é “um documentário épico que retrata, com um olhar amoroso e curioso, a formação e desintegração de um sonho utópico, selvagem e polêmico, uma comuna familiar no coração de uma bela floresta brasileira”.

O filme é o primeiro longa do diretor Freiman, formado em cinema pela faculdade Tel Hai, no norte de Israel. Sua ligação com o Brasil vem da mulher, filha de brasileiros que imigraram para Israel na década de 1960. Ele começou as filmagens em 2014 com dinheiro do próprio bolso, mas aos poucos conseguiu financiamento de fundos para as artes em Israel através da produtora Cinemax.

O filme começa contando a história do multifatetado Cléo, que conheceu a mulher Anita em Uberaba, em Minas Gerais, quando ainda era um autodenominado hippie. Desde a juventude, o artesão mineiro sonhava em criar uma comunidade alternativa na natureza. Depois de ter 15 filhos com Nitinha, seu sonho evoluiu para fundar essa comunidade com toda a família. Em 2009, ele criou a vila Barroló. Um a um, todos os filho se mudaram de Uberaba para lá.

Segundo Freiman, que mora sozinho num kibutz no norte de Israel, a vida na vila parecia a perfeição –viver na roça, no meio da natureza exuberante e distante do estresse das grandes cidades, das mazelas da civilização e da dominação tecnológica. Se sustentar de artesanato, vestindo roupas largas e chinelos de dedo em meio a cantorias com violão e banhos no riacho.

Apesar de tudo, esse jardim do Éden mineiro demonstrou contar com uma rígida estrutura social e regras locais específicas, em geral ditadas pelo patriarca, cujas várias facetas vão aparecendo aos poucos. “Há muitas revelações que o espectador vai descobrindo junto comigo, à medida que fui filmando”, conta Freiman.

A ligação com o judaísmo é um dos principais fatores de conflito na vila Barroló. Originário de família cristã, Cléo decidiu, aos 19 anos, seguir os ensinamentos da Torá judaica. Aos filhos, ensinou a sua interpretação do Velho Testamento. Mas a religiosidade que começou com o próprio patriarca se tornou uma ameaça à existência da comunidade depois que alguns dos filhos decidem se tornar formalmente judeus e imigrar para Israel.

José, ou Tutu, de 34 anos, foi o primeiro a se aventurar na terra santa, com 18 anos, para trabalhar por seis meses como voluntário num kibutz. Depois, foi a vez de Debora, ou Bibí, de 38 anos, que morou cerca de um ano no país do Oriente Médio. "Lá me senti em casa", conta ela no filme, em hebraico perfeito.

O conflito de identidade fez com que Bibí se empenhasse para traçar a árvore genealógica da família Braga Bezerra em busca de ancestrais cristãos-novos, ou judeus convertidos, vindos de Portugal. “Entrei num certo conflito de identidade. Não tenho dúvidas de que tem sangue judaico na minha família.

A ideia de que toda a família deveria se converter formalmente e mudar para Israel não demorou a surgir. Mas as dúvidas e os questionamentos também não tardaram, dividindo os Braga Bezerra. Diante do conflito interno, o patriarca Cléo questiona a ilusão de liberdade. “Feliz é aquele que aceita a prisão em que vive.” Segundo o diretor de “Leaving Paradise”, essa é a principal mensagem do filme.

“O objetivo não é provar nada e nem julgar ninguém. Trato de questões como família, identidade e fé, mas o que paira no ar são perguntas sobre liberdade e escolhas pessoais", diz Freiman.

Depois da vitória no Festival de Haifa, o filme foi adquirido pela distribuidora Go2Films e está em processo de inscrição em festivais de cinema nos Estados Unidos e na Europa. Mas o sonho de Freiman é que ele seja visto pelo público brasileiro, mesmo em tempos de coronavírus. “Muitos festivais pelo mundo estão acontecendo online. Pode ser chato não ver o filme na tela grande, mas o lado bom é que mais gente pode assistir de casa. Seria ótimo saber a reação dos brasileiros.”

Leaving Paradise

  • Quando Data de estreia no Brasil ainda não revelada
  • Produção Israel; Brasil
  • Direção Ofer Freiman
  • Duração 90 min.
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