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Cinema

'O Som do Silêncio' é audacioso ao retratar um metaleiro surdo

Filme não é uma boa escolha para quem chega em casa cansado procurando repousar

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O Som do Silêncio

  • Quando Disponível
  • Onde Amazon Prime Video
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Riz Ahmed, Olivia Cooke, Paul Raci, Mathieu Amalric, Lauren Ridloff, Jamie Ghazarian, Chris Perfetti, William Xifaras, Hillary Baack e Chelsea Lee
  • Produção EUA, Bélgica; 2019
  • Direção Darius Marder

O Som do Silêncio” trata de um abismo, o de um homem, Ruben, baterista que, subitamente, perde a audição. Não só isso, perde também sua parceira de vida e música, Lou. De uma hora para outra, Ruben se vê recolhido a uma instituição, cristã naturalmente, dedicada ao tratamento de pessoas surdas.

Tratamento não é uma boa palavra. Para Joe, o líder do lugar, não se trata de ensinar a linguagem dos sinais ou coisas assim –a surdez (que adquiriu no Vietnã) é algo absoluto, uma maneira própria de experimentar as coisas. Ele não diz isso com todas as palavras, mas essa é a questão.

Como um músico a pode vivenciar? Num estado de absoluta angústia, é evidente. O som para ele é um absoluto. Sua ausência, a morte.

Eis algo que não é tão fácil de representar, e Darius Marder consegue –a dor, a perda absoluta. Isso vem em grande medida do contraste entre os dois universos –o mundo agitado, gritante, do metal, e o duplo silêncio que Ruben experimentará na instituição, pois não se trata só de estar entre surdos e aprender a ser surdo, mas de viver num lugar isolado, em que seria muito agradável, talvez, passar uns dias depois de um ano de trabalho estafante. Mas não é isso o que Joe promete, é uma vida disso.

Não admira que a instituição seja cristã. Ruben percebe que o silêncio a ele reservado é o dos monges (de certos monges). Isso é o que Joe, no limite, está propondo. O uso apropriado dos contrastes entre som e silêncio, no filme, nos leva a partilhar a experiência do músico.

Ele quer de volta sua audição e sua companheira. Quer o mundo em que vivia e não a vida inexistente, infantilizada, que propõe a ele uma instituição cheia de regras repressivas.

A boa notícia é que ele conseguirá escapar desse inferno, por obra de um implante. A má notícia é que isso está longe de ser o fim do problema.

Ou antes, é sua nova relação com o som que nos põe enfim diante da questão proposta pelo filme —por meio de Joe, que encontra no silêncio a quietude de sua alma (ou, enfim, diz que encontra, ou, em todo caso, a busca).

Ao deixar a instituição, Ruben se vê devolvido ao universo do som. Não o som que conhecera, mas o som distorcido, o som possível que o implante proporciona a ele. Mas esse som distorcido é o do mundo, com todos os seus deslocamentos e encontros. Lá está ele, por exemplo, próximo ao pai de Lou, cuja mulher o abandonou certa vez levando a filha consigo, e depois se matou. Lá está ele com sua própria história, a de um jovem que se cria mudando de uma cidade a outra por causa da profissão da mãe (enfermeira do Exército).

A música, afinal, não traz só o furor do som. O mundo é feito desses deslocamentos, é possível constatar. Pode conter a tristeza, também. Nele a questão proposta de Marder parece consistir em encontrar a quietude, a paz de espírito. Ou, talvez, em perceber, como um todo, o humano e o divino que se manifestam (ou não) nas coisas, mesmo no toque do carrilhão de uma igreja.

Não é um filme para quem chega em casa cansado e procura um repouso. Não há repouso, aqui –nem no som, nem no silêncio. Na busca, talvez. É a audácia da Amazon programar um filme dessa natureza, mas é também uma virtude do streaming –tudo vale sem ser obrigatoriamente um vale tudo.

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