Pandemia se juntou ao streaming para ameaçar as salas de cinema em 2020

Coronavírus acelerou mudanças previstas há anos, enquanto o Oscar se abriu para mais diversidade

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Cena do filme 'Destacamento Blood', de Spike Lee

Chadwick Boseman, morto em agosto aos 42 anos, em cena de ‘Destacamento Blood’, de Spike Lee  Divulgação

São Paulo

Ao longo de 2020, foram vários os filmes que estouraram ao refletir angústias e medos de um ano tão incerto como o que está acabando.

Logo nos primeiros meses da pandemia, o terror espanhol "O Poço", por exemplo, estourou na Netflix. Sua premissa --a de uma prisão vertical na qual os personagens estão confinados em meio a incertezas-- pareceu traduzir bem o que muita gente estava sentindo, trancafiada em casa.

O clima de distopia ao redor provocou até mesmo o ressurgimento de filmes antigos, que alcançaram sucesso anos depois de terem sido lançados, caso de "Contágio", de 2011, que se tornou um dos títulos mais vistos das plataformas de streaming e aluguel.

Antes de tudo isso, no entanto, os primeiros meses de 2020 apontavam para um ano relativamente tranquilo no universo cinematográfico.

As maiores perturbações ao status quo, até então, haviam acontecido com a vitória do sul-coreano "Parasita" no Oscar, que pela primeira vez deu a estatueta mais cobiçada de Hollywood a um filme em língua não inglesa. E em março, o outrora celebrado produtor Harvey Weinstein havia sido condenado a 23 anos de prisão, após casos de estupro e assédio sexual virem à tona.

Mas foi nesse mês que a Covid-19 chegou ao Ocidente, e que as salas de cinema foram obrigadas a fechar no Brasil.

Com os projetores desligados em boa parte do mundo, o parque exibidor mergulhou em uma crise sem precedentes. Após meses inoperantes, a reabertura ainda esbarrou na desconfiança do público e em uma série de protocolos de segurança que dificultaram e continuarão dificultando a recuperação do setor.

Redução da capacidade de público, proibição da venda de pipoca, suportes de álcool em gel para todo lado, métodos de higienização e manutenção do ar condicionado. Essas medidas desencorajam uma volta por cima das salas de cinema, que devem continuar sangrando 2021 adentro.

Não que a diminuição de espectadores já não viesse se anunciando há anos, mas a Covid pegou os exibidores de surpresa, acelerando uma crise que caminhava a passos lentos.

A parceria longeva, mas já fragilizada, entre salas e estúdios não foi capaz de mitigar os problemas. Pelo contrário. As grandes empresas de Hollywood trataram logo de buscar alternativas para lançar seus filmes em meio ao isolamento social. E recorreram às suas próprias plataformas de streaming, destruindo as expectativas dos cinemas de que talvez a Mulher-Maravilha chegasse para salvá-los.

O novo filme da super-heroína, nos Estados Unidos, faz sua estreia nas salas ao mesmo tempo que no sob demanda, e é só um de vários títulos inicialmente programados para estrear em 2020 que precisaram ser adiados ou lançados em outras plataformas.

"Mulan" e "Soul", por exemplo, tomaram esse caminho pelo Disney+. A escolha se deve, em parte, ao medo de que 2021 tenha um grande acúmulo de filmes a serem lançados, como herança deste ano.

Foi com essa desculpa que a Warner Bros. anunciou que todos os seus 17 longas previstos para o ano que vem seriam exibidos nos cinemas e na HBO Max ao mesmo tempo, nos Estados Unidos.

Quem buscou uma quebra de protocolo mais apaziguadora foi a Universal, que fechou acordo com duas das principais redes de cinema do mundo, a AMC e a Cinemark, para encurtar a janela de exibição —o período em que um filme é exclusividade das salas— de 75 para 17 dias. Anunciada como uma medida emergencial, é possível que a redução continue no futuro.

Enquanto os estúdios têm seu arsenal de streamings nas mãos, alguns exibidores tentaram driblar a quarentena montando cinemas drive-in. No Brasil e em vários outros países, esse tipo de entretenimento do passado virou moda novamente, como uma alternativa segura de diversão.

O modelo também foi usado por alguns festivais e mostras de cinema, que, se não desistiram de suas edições de 2020, precisaram repensar seu formato. Depois do cancelamento de Cannes, Veneza reinaugurou a temporada de festivais com uma edição mais restritiva, mas presencial.

Toronto, logo em seguida, optou por uma programação híbrida, com sessões de filmes online e algumas projeções em cinemas ou espaços ao ar livre. No Brasil, a Mostra de Cinema de São Paulo adotou estratégia semelhante, trocando as salas pelas sessões motorizadas e digitalizadas.

De volta a Hollywood, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas voltou a causar alvoroço depois do Oscar de "Parasita". Primeiro, ao anunciar que filmes lançados apenas no streaming seriam elegíveis para a próxima edição do prêmio, que foi atrasada em dois meses, para abril.

Em setembro, foi a vez de a instituição atacar as críticas que recebe há anos pela falta de diversidade entre seus membros, indicados e premiados, anunciando uma série de novas diretrizes que visam dar mais visibilidade a mulheres, não brancos, latinos, LGBTs e pessoas com deficiência.

Foi um ano de aceleração de mudanças que já surgiam no horizonte do cinema. Agora que 2020 chega ao fim, mais uma delas se adiantou —a China superou os Estados Unidos como principal mercado cinematográfico e uma de suas produções, "The Eight Hundred", encabeça a lista das maiores bilheterias anuais.

No próximo ano, a velha Hollywood que se cuide.

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