Descrição de chapéu

Álbum de filha de Beth Carvalho gentrifica funk e não mostra a que veio

Maioria das faixas de 'Segue o Baile', de Luana Carvalho, são como ouro de tolo, enganando iniciantes

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Segue o Baile

  • Autoria Luana Carvalho

A expressão ouro de tolo surgiu entre mineradores por causa de uma pedra chamada pirita —sua cor e brilho dourados lembram bastante o do ouro nativo e podem enganar iniciantes.

Ao ouvir o novo disco de Luana Carvalho, "Segue o Baile", a sensação que temos é a de estar diante desse ouro de tolo. Este seria o lado B de "Baile de Máscara", penúltimo álbum de samba que ela lançou em junho do ano passado. A cantora faria, assim, uma transição semelhante à que sua mãe, Beth Carvalho, fez na carreira, saindo da nobre MPB carioca para o samba-raiz do Cacique de Ramos.

Mas "Segue o Baile" não mostra a que veio, já que nele não ouvimos funk. O álbum é composto por nove faixas. As letras de cinco delas podem até lembrar letras de funk, fazendo releituras de sucessos nos anos 1990 e início dos anos 2000 como "Me Leva", de Latino, e "Rap do Solitário", de MC Marcinho.

Mas são versões sem novidades instrumentais e que flertam com o subgênero do funk de pelúcia. Chega a soar como se a MPB dos anos 2000 agora estivesse fazendo funk em 2021, ou, se preferir, uma gentrificação do movimento.

Os mineradores dizem também que quando encontramos uma pirita é porque o caminho para achar outras pedras preciosas está correto.

Assim são as demais quatro músicas do álbum, que vão de um papo reto sobre racismo e preconceito a músicas inspiradas no candomblé. Falam sobre câncer de mama e homenageiam sua mãe, Beth. São faixas que facilmente poderiam estar no disco "Baile de Máscara" ou em outro projeto da cantora. Já em "Segue o Baile", elas se perdem na proposta de um álbum de funk.

Veja um faixa-a-faixa de 'Segue o Baile'

'É Hoje'
Música de Jefferson Junior e Umberto Tavares que virou hit na voz de Ludmilla. Nela, Luana Carvalho usa instrumentos de percussão para substituir as batidas eletrônicas da música original. O coro ao fundo é a novidade desta versão.

'Selfie'
Sem lugar de fala em alguns versos e provavelmente inspirada nos protestos do Black Lives Matter que tivemos em 2020, a cantora fala sobre racismo, feminismo e desigualdade social. O discurso antirracista falado na música ocorre justamente quando os brancos usam de sua posição de privilégio para dar voz às necessidades do povo negro, tornando "Selfie" uma boa ferramenta nesse sentido.

'Me Leva'
“Moça, me leva pra longe daqui” foi o que pensei ouvindo essa versão da, talvez, maior contribuição de Latino para a música brasileira. Usando mais uma vez um coral, e com violão e bateria, a cantora transforma o saudoso funk ouvido até hoje pelos "relíquias" numa música apática e pouco envolvente.

'Está Escrito'
Final de baile, ambiente meio vazio e já meio depressivo, você sozinho com sua Itaipava de R$ 0,50 na mão e o DJ lança "Está Escrito" do MC Bob Rum, só consigo me ver chorando e pensando em quanto eu amo a minha preta. O amor perdido, o amor que não volta e a versão que fugiu do contexto e virou um grande vacilo entre a cantora e a sua proposta do disco de funk. Acompanhada pelo coral, a música perde a espontaneidade da história contida nos versos, diferencial que a fez se tornar hit nos bailes de 1996.

'Rap do Solitário'
Lançar uma versão bossa nova do maior funk melody de todos os tempos é o mesmo que deixar uma Ferrari aos cuidados de uma pessoa que ainda está aprendendo a dirigir. É pegar algo muito valioso no contexto periférico, embranquecer seu formato e vender para a elite. Esta versão do funk escrito e cantado originalmente pelo MC Marcinho mostra o grande abismo cultural que divide as classes sociais aqui no Brasil. Seria isso apropriação cultural?

Nela ouvimos mais claramente a mixagem com elementos da música eletrônica, o Auto-Tune, e pela primeira vez no álbum não ouvimos o coro ao fundo, pelo menos não nitidamente, coisa que parecia ser o grande diferencial.

'Garota Nota 100'
Talvez a que mais se distancia da original, e isso não é uma coisa ruim. Esquecendo a proposta do disco, essa versão de "Garota Nota 100", original do MC Marcinho, é a que mais se assemelha com os trabalhos anteriores da cantora e aparenta não ter a pretensão de misturar o seu ritmo original com o funk. A música começa com um dedilhado no violão que já mostra qual será o rumo dela –calma e com uma leve crescente acompanhada pela bateria e o coral.

'Teta sem Treta'
Música feita em parceria com a atriz Andrea Horta, fala sobre a coragem da mulher durante os procedimentos causados pelo câncer de mama. Tem uma levada bem direcionada pelo tambor, que ouvimos claramente e que ela repete enquanto canta. Tema importante e pouco discutido na cultura musical, consegue não ser óbvia. A única questão é que está perdida nesse disco.

'Última Oração'
Literalmente uma oração e muito bem escrita, a canção lembra os bons tempos da MPB dos anos 1970, como as músicas de Chico Buarque em que ele faz jogos de palavras e muda o tom do que fala enquanto canta, e muitos arranjos, tambores e corais tornando a música genuinamente brasileira.

'Mainha'
Com arranjos muito parecidos com “Última Oração”, a música consegue detalhar muito bem objetos e estilos do candomblé. Quando se ouve o barulho de água, por exemplo, se entende que a mãe seria Iemanjá, a mãe de todos os orixás. Ela é o ato final de um disco confuso e que dificilmente conversa com a periferia, oposto do que ele nos promete.

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