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Cadão Volpato busca o tempo perdido com prosa límpida e discreta

Linguagem de 'Espíritos de Carros Quebrados' é como se Proust fosse reescrito por Natalia Ginzburg

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Espíritos de Carros Quebrados

  • Preço R$ 49 (128 págs.)
  • Autoria Cadão Volpato
  • Editora Faria e Silva

Sabe aquela semana entre o Natal e o Ano-Novo, em que a vida parece parar para começar de novo? Mistura de fossa e euforia, panetone e lentilha? Reflexão e deixa-isso-pra-lá? Neste limbo existencial e circunstancial, habitam os personagens de “Espíritos de Carros Quebrados”, o décimo livro de Cadão Volpato.

Também músico, jornalista e ilustrador, Volpato volta à ficção depois de “À Sombra dos Viadutos em Flor”, publicado em 2018, uma livre memória da cidade de São Paulo na década de 1980, tendo em primeiro plano a banda underground Fellini, da qual ele era o cantor e o letrista.

Ao entrelaçar na nova obra três contos largos, o autor não abandona o tom proustiano reverenciado no título paródico do livro autobiográfico.

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O escritor e músico Cadão Volpato - Karime Xavier/Folhapress

O primeiro e melhor relato é uma façanha só possível de ser realizada por escritores maduros e donos de seus instrumentos e possibilidades. “Espíritos de Carros Quebrados” carrega a mesma obsessão pelo passar e desdobrar do tempo que Proust registrou em sete romances de frases tão longas que obrigam o leitor a se instalar nelas.

Em Volpato, contudo, a linguagem que busca o tempo perdido aparece copidescada até o osso —uma prosa límpida e discreta, embora sujeita a sobressaltos. Como se Proust fosse reescrito por Natalia Ginzburg.

A história é um fio de simplicidade. O que importa é a maneira de contar. Dois amigos de infância, hoje sessentões, têm uma DR —não um com o outro, e sim sobre relacionamentos passados deles próprios. A mulher do dono da casa onde eles bebem uísque acaba de ir embora, e bateu a solidão.

Enquanto a noite avança, os dois se envolvem em situações estranhas —que o autor emprestou de mangás de Jiro Taniguchi— até o clímax íntimo e raro entre homens. Na Paris dos anos 1920, Hemingway e Fitzgerald tiveram uma experiência semelhante, comparando a anatomia de estátuas gregas no Louvre.

De estrutura experimental, “O Demônio do Fim de Semana” é um retrato sem filtro de um homem chamado Cavallo. Fotógrafo amador, cuja obra tem um quê de Robert Frank, ele “pedala num imenso estacionamento vazio nas primeiras horas da manhã do dia 1º de janeiro de um ano passado”.

A narrativa é construída em dupla exposição, puxadas de zoom, contraluzes, quadro dentro de quadro, pannings. Uma ousadia que nada tem a ver com realismo urbano e autoficção, tendências da atual literatura brasileira que parecem não interessar a Volpato, cuja carreira de escritor está completando 25 anos.

Em seus primeiros livros de contos —“Ronda Noturna”, de 1995, “Dezembro de um Verão Maravilhoso”, de 1999, e “Relógio sem Sol”, de 2009— e no romance “Pessoas que Passam pelos Sonhos”, de 2012, a temática do tempo e do envelhecimento, e seus efeitos nas relações afetivas, já estava presente.

Em nota, o autor revela que o personagem de “O Caso da Faixa Escondida” está ligado “às fotos de certo escritor sul-americano achadas por acaso num blog obscuro”.

De novo, há dor de cotovelo (a do narrador em primeira pessoa). Nada melhor, portanto, do que viajar para Montevidéu, ao encontro de um velho amigo que sumira do mapa. Um tipo esquisito, que cultiva a velha mania de Juan Carlos Onetti e Mario Levrero –devorar romances policiais.

É o relato mais musical do livro. Não só pela tal faixa a que o título alude (escondida no lado B do disco “Odessey and Oracle”, dos Zombies), mas sobretudo pelo tom de balada triste.

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