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Edimilson de Almeida Pereira não relega poesia em primeiro romance

Prosa de 'O Ausente', estreia do autor no gênero, se consolida pela beleza no uso das palavras

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Beatriz Resende

O Ausente

  • Preço R$ 42,90 (124 págs.)
  • Autoria Edimilson de Almeida Pereira
  • Editora Relicário

O mineiro Edimilson de Almeida Pereira é um dos poetas contemporâneos mais consagrados do Brasil hoje. Com vasta produção, apreciado e festejado, lança agora seu primeiro romance.

É também professor e ensaísta dedicado à cultura de origem africana, com trabalhos sobre o significado sociocultural do candomblé e a poética banto-católica do congado.

Tal trajetória importa ao ler “O Ausente” porque todas essas facetas estão presentes no romance. Só que ao nos referirmos à narrativa como romance, mais uma vez se revela a fragilidade dos conceitos classificatórios, limitadores diante de obras originais.

Se Edimilson se afasta da poesia, a poesia não deixa o autor. Seja na prosa atravessada pela beleza no uso das palavras, preocupação maior do próprio narrador que diz, “no quintal, um galo estourava a escuridão”. E mais adiante, “o mundo é a pedra de amolar a palavra”. Ou na inclusão de momentos de respiro na prosa: “Menos ainda, o que ensinei: nada ter/ dar-se/ jungir a si/ o/ eixo e a roda”.

Da pesquisa sobre cultura popular e regional, ficam marcos em que ecoa Guimarães Rosa: “A única maneira de tirar dos ombros o passado é contar outra vez o vivido, como se fôssemos outra pessoa.”

“O Ausente” é a moradia, o local onde se passam lembranças do homem que cogita enfrentar a morte, o ermo onde vivem Inocêncio, predestinado a curar os outros, o empelicado, e Deja, sua mulher.

Empelicado é a criança que nasce envolta pela bolsa amniótica, como se estivesse dentro de um invólucro. A esses nasciturnos são atribuídas propriedades mágicas como a de curar os outros. Djanira é uma dona de saberes, professora de crianças e de plantas.

A vida longe das cidades é dura, cercada de violência, rivalidades, vinganças e combates. A rudeza de Inocêncio contrasta com as habilidades da mulher, “minha amor”, capaz de usar as palavras e o conhecimento de formas amorosas, distante da dureza das viagens pelo interior, ao relento, pelas matas do companheiro. É resistência às agruras das viagens e lutas, dos rivais, as armas e as ciladas.

O empelicado sofre enquanto a vida passa diante de seus pensamentos atormentados, Deja, sua mulher, dorme sob os lençóis de algodão, o braço sobre seu ombro.

O que pode o amor contra os sofrimentos da vida narrada? Quem é afinal esse par, ele destinado a curar, em destino que não consegue cumprir, e ela, que o envolve nos braços? “Somos dois velhos negros azuis”, diz o narrador.

Pelos entornos passam os outros, parentes, compadres, poucos amigos, parceiros ou cúmplices. E gente que busca uma cura que não se realiza.

É na relação entre os que atravessam a história que surgem dificuldades no relato. Dos personagens que circulam na narrativa, as vozes não chegam a tomar corpo, suas falas não se relacionam com a do narrador. Respostas e dúvidas não se confrontam.

É só mesmo com a voz de Deja que o dialogismo interno se constrói. Só sua voz, forte ao final da narrativa, se ergue, impondo-se na construção de “O Ausente”.

Deja faz escolhas e penetra com suas decisões a fala do narrador: “São puníveis, as mulheres: herdam e não podem errar. Eu me lancei, fiz do arco meu impulso. Fui, irei”.

Com a personagem se constitui, então, o diálogo desejável na construção da forma escolhida, o romance, que aí se consolida em meio à beleza das palavras que circulam.

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