Descrição de chapéu The New York Times Maratona

Em 'Lupin', Omar Sy oferece nova perspectiva sobre uma história clássica da França

No sucesso da Netflix, ator interpreta um ladrão cavalheiro e moderno inspirado no charmoso personagem Arsène Lupin

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Elisabeth Vincentelli
The New York Times

Em 2011, um papel de destaque no grande sucesso do cinema francês “Os Intocáveis” valeu a Omar Sy um prêmio César como melhor ator, e uma oportunidade de fazer carreira em Hollywood, com papéis em filmes como “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” e “Jurassic World - O Mundo dos Dinossauros”.

O sucesso transformou Sy, nascido perto de Paris, filho de imigrantes da África Ocidental, em astro, e seu prestígio levou a poderosa produtora Gaumont a o procurar para perguntar que papel ele sonhava interpretar.

“Se eu fosse britânico, teria dito James Bond, mas, já que sou francês, respondi Arsène Lupin”, ele disse em francês numa recente conversa em vídeo, de sua casa em Los Angeles. “Ele é brincalhão, ele é esperto, ele rouba, ele vive cercado de mulheres. E ele é um personagem que interpreta personagens. Para um ator, isso é o melhor”.

Cena da 1ª temporada de Lupin, com Omar Sy
Cena da 1ª temporada de Lupin, com Omar Sy - Netflix/Divulgação

Poucos anos depois daquela conversa com a Gaumont, um bloco de cinco episódios da nova série de Sy, “Lupin”, falada em francês, estreou na Netflix. Menos de uma semana mais tarde, a série, uma história cheia de estilo passada no coração de Paris, se tornou o segundo maior sucesso do serviço de streaming nos Estados Unidos.

Foi a primeira vez que uma série francesa estreou entre as dez mais vistas da companhia, de acordo com a Netflix. Um segundo bloco de episódios já foi filmado e deve ser lançado em algum momento deste ano. Mas há uma surpresa na trama. Arsène Lupin não é um personagem na série que leva seu nome –pelo menos não em pessoa. A esta altura, porém, muitos leitores devem estar se perguntando “Lup... o quê?”.

Criado pelo escritor francês Maurice Leblanc em 1905, Arsène Lupin é um membro de elite na gangue de adoráveis malfeitores conhecidos como “cavalheiros ladrões”. Como Thomas Crown, Danny Ocean, Simon Templar e (para incluir uma dama) Selina Kyle, Lupin é elegante e eficiente. Prefere se disfarçar e empregar a persuasão a recorrer à violência, e é tão encantador que suas vítimas praticamente o agradecem por as roubar.

Herói de numerosos contos e romances, Lupin foi visto inicialmente como a resposta francesa a um determinado detetive britânico. Leblanc chegou a ousar escrever histórias não autorizadas estreladas por um certo Herlock Sholmès.

A França já produziu muitas adaptações das histórias estreladas pelo gatuno, para o cinema e a televisão. Uma geração inteira ainda consegue cantar a canção-tema da série de TV sobre o personagem que foi exibida entre 1971 e 1974. Um filme com produção caprichada sobre Lupin, estrelado por Romain Duris, foi lançado em 2004.

Lupin também é um personagem popular no Japão, onde na década de 1960 o desenhista de mangás Kazuhiko Kato, conhecido por seu pseudônimo, Monkey Punch, inventou um neto do personagem chamado Lupin 3º. O Lupin japonês foi tema de diversas adaptações como anime, entre as quais o filme de estreia de Hayao Miyazaki, “O Castelo de Cagliostro”, e o recente lançamento em 3D “Lupin III: The First”.

Sy, de 42 anos, interpreta não Lupin, mas um charmoso parisiense chamado Assane Diop, filho de um imigrante senegalês, para quem o ladrão literário é um ídolo. Sy, que também trabalhou como produtor artístico da série, reconheceu que, quando primeiro propôs um projeto baseado em Lupin, o que ele conhecia era só a reputação do personagem.

“Era uma daquelas coisas que todos precisam saber, honestamente, parte da cultura”, ele disse. “Mais tarde, liguei os pontos entre os livros, as séries de TV que eu via na infância, e alguns mangás. Fiquei completamente viciado em trabalhar em ‘Lupin’.”

George Kay, de “Criminal”, o britânico que criou e comanda a série, disse em conversa por vídeo que estava mais familiarizado com algumas outras das criações da cultura pop na virada para o século 20, como Sherlock Holmes, o Pimpinela Escarlate ou A. J. Raffles, quando foi chamado para o projeto.

“Mas quando me disseram que a Netflix queria fazer a série com Omar Sy, e ele estava confirmado, a combinação das duas coisas tornou a proposta muito interessante para mim”, disse Kay. “Porque há muita coisa que amo em Lupin, as trapaças, os golpes”.

O cineasta francês Louis Leterrier, de “Carga Explosiva” e “O Cristal Encantado: A Era da Resistência”, que dirigiu os três primeiros episódios de “Lupin”, foi um dos primeiros integrantes da equipe de criação, antes ainda de a ideia ser levada à Netflix –a série foi produzida pela Gaumont para o serviço de streaming.

Ele disse que demorou um pouco para que a equipe desenvolvesse um conceito. “Nosso primeiro passo foi descobrir aonde queríamos chegar”, disse Leterrier em uma conversa por vídeo. “Omar vai interpretar Lupin? A série vai ser contemporânea ou clássica?”

“Por fim, George Kay apareceu com uma ideia que todos nós amamos”, ele acrescentou. “Queríamos ver Omar em toda sua humanidade, e entender sua experiência com o mito, em lugar de dar a ele o nome de Arsène Lupin e voltar a fazer algo que já tivesse sido feito.”

Quando o personagem de Assane surge em tela, ele está obcecado por vingar seu pai viúvo, papel de Fargass Assandé, que morreu 25 anos antes. O pai de Diop, que trabalhou muito para dar ao filho todos os recursos de que ele precisaria para triunfar na sociedade francesa, a começar pela insistência em ortografia correta, cometeu suicídio na prisão depois de ser acusado de roubo, deixando o jovem Assane órfão.

O bem mais precioso de Assane passou a ser um livro de Lupin dado por seu pai, um presente que ditaria toda a sua vida. A série tem como subtítulo “À Sombra de Arsène”.

Como o malandro criado por Leblanc, Assane, já adulto, rouba e escapa de problemas por causa de sua lábia e de seu talento para se mesclar aos ambientes. Mas não imagine o uso de máscaras sofisticadas como as de “Missão Impossível”. Assane não se interessa por alta tecnologia, o que se enquadra bem ao estilo leve e deliberadamente antiquado da série.
“Lupin era um ávido observador da sociedade, e queríamos que Assane fosse igual”, disse Sy. “Ele não precisa de muita coisa para se disfarçar. Ele se junta ao tipo de pessoa que não costuma ser notada e desaparece.”
Quando Assane decide roubar uma gargantilha guardada no Louvre, por exemplo, ele alterna entre trabalhar infiltrado como faxineiro e se fazer passar por um rico colecionador de arte que participa de um leilão. No primeiro caso, ele se torna invisível; no segundo, ele tira vantagem de se destacar num mar de rostos brancos, o que distrai seus alvos.
Cena da 1ª temporada de Lupin com Omar Sy
Cena da 1ª temporada de Lupin com Omar Sy - Netflix/Divulgação

“Eu gostei muito do aspecto de ladrão cavalheiro, mas o queria subverter um pouco e dar um ângulo social à ideia”, disse Leterrier. “Para mim, a ideia de um homem negro de 1,88 metro de altura circulando sorrateiramente tanto na alta sociedade quanto no submundo pareceu interessante”.

Kay aproveitou a oportunidade para incluir mensagens políticas, mas evitou um clima pesado. “Ter um ator principal de etnia afro-francesa foi muito importante”, ele disse. “Os alvos do personagem são a elite francesa e a velha guarda, e nós mostramos esse drama em ambientes parisienses muito clássicos.”

De fato, Assane tem muita consciência de como a sociedade francesa tradicional o percebe, e muitas vezes usa esses preconceitos para engambelar suas vítimas. A série também traz uma mensagem sutil ao mostrar os fãs mais dedicados do livro de Lupin como pessoas de ascendência africana, norte-africana ou birracial. Segundo Sy, “é uma questão de dar um novo rosto ao que significa ser francês hoje”, ele disse. “O arquétipo mudou.”

Quer cultural, quer familiar, a ideia de transmissão permeia a série. Para os fãs das histórias originais, há muitas referências ocultas. Em nível mais íntimo, Assane herda a obsessão por Lupin de seu pai, e a retransmite a seu filho adolescente, Raoul, papel de Etan Simon, cuja mãe é branca, como forma de criar uma conexão e facilitar um relacionamento às vezes complicado.

“É a primeira vez que interpreto um pai desse tipo, com muita bagagem e questões”, disse Sy, que tem cinco filhos. “Sempre me interesso pela paternidade. Não é fácil, e você nunca sabe se é um bom ou mau pai até que seus filhos cresçam.”

Segundo Sy, as velhas histórias de Leblanc servem como uma ponte dentro da série. O livro de Lupin ajuda Assane a se relacionar não só com seu pai mas com seu ambiente, e Assane deseja ter o mesmo impacto sobre Raoul. A cultura, como a família, é uma forma de pertencer. “A ideia de legado me move –o que é que nós retemos e o que repassamos?”, ele disse. “Para mim, esse é o verdadeiro significado da vida, e o que nos torna humanos.”

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.