Entenda como as igrejas de Salvador foram construídas com muito medo do inferno

Livro 'Basílicas e Capelinhas', que conta a epopeia dessas construções, ganhou edição em ebook neste ano

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Salvador

Entre os primeiros templos religiosos a serem construídos no país —o primeiro foi em Porto Seguro, no sul da Bahia—, igrejas barrocas e neoclássicas de Salvador, a capital do Brasil colônia até 1763, foram erguidas graças a volumosas doações de benfeitores.

Em geral ricos colonizadores, eles bancaram suntuosas edificações para pagarem promessas e salvarem a alma depois da morte, se livrando do que acreditavam ser o purgatório e o inferno. Para construir a talha da igreja de São Francisco, no Pelourinho, foram usados cerca de mil quilos de ouro em pó.

Essas histórias são contadas no livro “Basílicas e Capelinhas - Um Estudo sobre a História, Arquitetura e Arte das Igrejas de Salvador”, escrito pelo jornalista Biaggio Talento e por Helenita Monte de Hollanda, médica e pesquisadora da cultura e religiosidade populares.

Lançado em 2006, o livro teve suas três primeiras edições esgotadas, ganhando agora uma edição no formato ebook. Monte de Hollanda e Talento, que são casados, vasculham há mais de 20 anos as igrejas de Salvador construídas entre os séculos 16 e 19, mostrando no livro detalhes sobre a construção de 43 delas.

“Na ânsia de escapar do inferno e passarem pouco tempo no purgatório, os caras doavam muito dinheiro, e isso alimentava toda essa economia sacra”, afirma Talento.

“Além de construir igrejas, eles decoravam, contratavam os melhores pintores, ourives, escultores e foi se criando todo esse patrimônio que nós temos”, completa, esclarecendo que Salvador tem 372 igrejas católicas, pouco mais do que uma para cada dia do ano, como reza a famosa lenda.

A grande quantidade de igrejas em Salvador chamou a atenção da potiguar Helenita Monte de Hollanda quando ela chegou à cidade.

“Começamos a entrar nas igrejas e frequentar os arquivos”, conta a autora, que tem na igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia a sua preferida, “embora o forro da nave da igreja de São Domingos me intrigue mais pela iconografia”, conta. O autor do forro da nave das duas igrejas foi José Joaquim da Rocha, fundador da escola baiana de pintura.

No século 18, a construção da igreja da Conceição da Praia foi encomendada por comerciantes que fizeram vir de Portugal pedras de lioz cortadas e numeradas para serem montadas “numa espécie de Lego”, compara Talento.

A obra durou mais de 60 anos, terminando no século seguinte. “A capela-mor dela é muito rica. Ela tem uma harmonia muito perfeita”, diz Monte de Hollanda.

A Nossa Senhora da Conceição foi declarada padroeira da Bahia pelo papa Paulo 6º. Em 1991, em visita a Salvador, o papa João Paulo 2º rezou o Angelus na igreja. No ano seguinte, foi enterrado lá o corpo de irmã Dulce —depois transferido para a capela de Santo Antônio, sede das Obras Sociais Irmã Dulce—, que se tornou a primeira santa brasileira, canonizada em 2019 pelo papa Francisco.

Séculos atrás, os sinos da igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia eram o alarme da cidade, anunciando acontecimentos importantes como a chegada da família real portuguesa, em 1808, alertando para grandes incêndios e contabilizando o número de mortos em epidemias.

A partir de 31 de janeiro deste ano, os sinos da torre da igreja, que eram tocados de forma manual, passarão a ser acionados através de um equipamento eletro-mecânico, possibilitando a execução de canções litúrgicas e populares.

Mas nem só ricos comerciantes de escravos eram mecenas religiosos. No início do século 18, a igreja do Rosário dos Pretos começou a ser erguida por escravizados e libertos, financiados pelos chamados escravos de ganho. A obra só terminou no século 19.

“A missa lá é superbonita, com atabaques, agogô”, afirma Talento. “Uma parcela de historiadores diz que o que existe ali é um catolicismo africano”, conta, explicando que habitantes do Congo e de Angola que foram trazidos à força para serem escravos no Brasil já eram cristãos por causa da exploração portuguesa nos dois países africanos.

No século 16, a índia Catarina Paraguaçu, convertida ao catolicismo depois de se casar com o náufrago português Diogo Álvares Correia, o Caramuru, também contribuiu para o patrimônio sacro.

Seu corpo foi enterrado na igreja da Graça, onde o altar é adornado por uma imagem da Virgem Maria com o menino Jesus nos braços, encontrada por Caramuru depois de um sonho de Paraguaçu.

Em seu testamento, ela doou seus bens para o Mosteiro de São Bento em troca de missas diárias enquanto o mundo durar, como afirma Talento. “Até hoje o mosteiro reza uma missa para ela.”

Basílicas e Capelinhas — Um Estudo sobre a História, Arquitetura e Arte das Igrejas de Salvador

  • Onde Ebook
  • Preço R$ 25 (298 págs.)
  • Autoria Biaggio Talento e Helenita Monte de Hollanda
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