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Filmes mostra de cinema

'Tel Aviv em Chamas' é herdeiro do Woody Allen de 'Tiros da Broadway'

Influência do cineasta nova-iorquino introduz frescor na árida disputa entre palestinos e israelenses

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Tel Aviv em Chamas

Não é preciso ir longe para encontrar a inspiração de “Tel Aviv em Chamas”, herdeiro direto do Woody Allen de “Tiros na Broadway” , de 1994. Ali, um dramaturgo intelectual, mas sem talento, acaba tendo seu texto retocado, corrigido e, na verdade, reescrito por um gângster que não suporta ver aquele desperdício no palco.

Aqui, Salam é o desajeitado assistente de uma novela palestina que tem o mesmo nome do filme. Está lá porque seu tio é o produtor e o protege, nada mais. Um palpite que dá aqui, outro ali, mais o azar ou a sorte, acabam por o promover a autor da novela, coisa para a qual não tem nenhuma competência.

Como ele mora em Jerusalém e a novela é rodada em Ramallah, na Palestina, é obrigado a atravessar, diariamente, o posto de fronteira israelense, com aquelas revistas rigorosas (para dizer o mínimo), que acontecem por lá. Por azar ou por sorte, ele topa numa dessas revistas com um oficial israelense cuja mulher adora a novela.

É esse oficial que se torna o, digamos, tutor do texto. Ou o primeiro tutor. Pois ao longo da comédia Salam terá de tourear os patrocinadores, os colegas, os atores, cada um trazendo a ele seus problemas, desejos ou caprichos.

Mas o problema maior, claro, é que o oficial israelense encaminha a novela para um lado que os palestinos não conseguem engolir. Então ele têm de tapear ora um lado, ora outro, enquanto ao mesmo tempo tenta seduzir Mariam, a bela médica palestina por quem é apaixonado.

Dada a proximidade com “Tiros na Broadway”, obviamente não se pode dizer que seja uma proposta muito original. Não é só a ideia geral que vem de lá, mas toda a estrutura do filme de Sameh Zoabi. Ao mesmo tempo, é essa influência tão presente que permite ao filme introduzir certo frescor na árida disputa entre palestinos e israelenses (além do jeito meio parvo do protagonista Salam, o por sinal bem talentoso Kais Nashif).

Algo, porém, é bastante revelador, pois é a partir da opção pela comédia é que nos damos conta de o quanto esses dois povos inimigos podem ser, paradoxalmente, muito próximos; possam se interessar pelas mesmas coisas, pelas mesmas guloseimas. E até pelas mesmas novelas.

Por aí, também, nos damos conta (a ser verdade o que está no filme) que mesmo nessa região tormentosa que é o Oriente Médio, o público no fundo está pouco se lixando para a trama de espionagem ou para saber se quem vai se dar bem no fim da ficção é um lado ou outro. Quer é saber da trama romântica.

Não será demais questionar esse frescor e leveza de “Tel Aviv em Chamas”, já que aplicados a um dos problemas mais espinhosos do tempo presente. Conhecemos essa leveza e esse frescor quando levados por Elia Suleiman, por exemplo. Suleiman trata com ironia, porém com amargor, da situação palestina. Já Sameh Zoabi a parece encarar como algo que faz parte da natureza das coisas –melhor rir do que chorar.

O que o salva da iniquidade, no entanto, é um belíssimo plano em que nosso herói, Salam, vaga desesperado e sem documentos ao lado daquele monumento monstruoso construído por Israel, que é o muro que separa os dois povos e parece existir para deixar claro aos palestinos que eles estão num grande presídio.

É um dos raros momentos em que “Tel Aviv em Chamas” nos lembra de que não há muito a festejar além do misto de alívio pessoal e êxito romântico-profissional que o simpático Salam, inadvertidamente e aos trancos e barrancos, persegue. É também possível pensar que, mesmo na sempre tensa situação do Oriente Médio, as pessoas querem, de tempos em tempos, fugir da árida realidade. Quem os reprovará?

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