Descrição de chapéu
Flavia Boggio

Dá para fazer piada com velhos, como fez Porta dos Fundos, mas não uma ruim

Quem aumenta o etarismo é o presidente, que, na pandemia, trata o idoso como 'vovô e vovó' que 'tem que ficar lá no canto'

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Flávia Boggio

Colunista da Folha

Se tem um assunto de que humorista foge é “o limite do humor”. Mesmo assim, quando menos se espera, o tema aparece. Nem que seja disfarçado.

Recentemente, pessoas se manifestaram contra o episódio “Responsável”, do canal Porta dos Fundos. No vídeo, o personagem interpretado por Fábio Porchat faz uma reunião de trabalho por videochamada, mas é interrompido várias vezes por sua mãe —apenas ouvimos sua voz, que age como uma criança atormentando os pais em home office.

Fábio Porchat em esquete do Porta dos Fundos
Fábio Porchat em esquete do Porta dos Fundos - Reprodução/Youtube

Enquanto ouvimos a voz dela compartilhando fake news, as colegas repreendem Porchat por deixar uma mulher de 57 anos sem supervisão.

As críticas vieram principalmente de mulheres na casa dos 50, muitas brilhantes. “O vídeo reduz uma geração de mulheres que vem derrubando a barreira da idade ao estereótipo da ‘tia do Zap’’’, escreveu a colunista Mariliz Pereira Jorge. Para a escritora Cris Guerra, é etarista e machista.

É aí que entra aquele assunto que sempre aparece. Dessa vez, veio na forma do chamado “etarismo”. Mas afinal, pode piada com velho, Arnaldo?

Concordo que a mulher sofre de etarismo mais do que os homens. Existe um falso estereótipo da mulher de 50 anos frágil, dependente, que só serve para dar trabalho aos filhos.

Mas vamos combinar que piada de idoso está institucionalizada no humor. Faz parte de alguns dos princípios do humor, como a quebra da expectativa e a identificação.

Há mais de 30 anos “Os Simpsons” fazem piada com o Vovô Simpson. E um dos personagens mais famosos do humor brasileiro é a Velha Surda, de “A Praça É Nossa”.

É lógico que a comédia funciona melhor de baixo para cima. Tanto que a categoria entra em um campo minado quando faz piada da fragilidade do idoso. É aquela linha tênue em que o velho deixa de ser o meio da piada e vira alvo.

Mas fazer humor também é testar limites. Muitas vezes, acontece de ultrapassá-los. Aí, o melhor a fazer é receber as críticas, acatar, se forem construtivas, e seguir em frente.

Eddie Murphy já errou fazendo piada de mulher e gordo. Jimmy Kimmel teve um programa chamado "Male’s Show", no qual homens competiam quem enchia mais o copo no banco de esperma. Infame? Sim. Mas e daí? Errou em umas, acertou em muitas.

O problema é quando o humorista insiste no erro e o usa como marca. Muitos enchem o peito para fazer piada com pessoas em situação de fragilidade. Como se o inimigo deles fosse o politicamente correto.

Sem falar que fazer piada com estereótipos é fácil. Talvez o esquete tivesse ficado melhor se, no lugar da mãe, tivessem posto um pai no topo da pirâmide de privilégios. Pelas estatísticas, esse sim precisa de supervisão.

Mas não vai ser o Porta dos Fundos que vai aumentar o etarismo nem qualquer humorista. Quem faz isso é o presidente, que, no auge da pandemia, trata o idoso como “vovô e vovó” que “tem que ficar lá no canto”.

E respondendo à pergunta. “Pode fazer piada de velho?” Pode. O que não pode é fazer piada ruim.

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