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Cinema

Exuberância de 'Malcolm e Marie' impressiona, mas pode datar o filme

Dirigido por Sam Levinson, longa não se esgota em brigas de casal circulares, com suas crueldades e recuos

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Malcolm e Marie

  • Onde Disponível na Netflix
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Zendaya e John David Washington
  • Produção EUA, 2021
  • Direção Sam Levinson

“Malcolm & Marie” lembra a observação de Jorge Luis Borges segundo a qual, em vez de escrever romances, preferia imaginar um romance já escrito e então fazer a sua crítica.

Nos primeiros minutos é assim —Malcolm, jovem diretor negro, volta da estreia de seu filme, e comenta sua recepção com amargo sarcasmo. Ele se refere aos críticos que o parabenizaram após a sessão, elogiando a maneira como mostrou a situação dos negros nos Estados Unidos etc.

Não é nada disso, diz ele. Por que supõem que um negro só pode falar como negro? Ou por que acreditam que um negro não é um homem como qualquer outro e não pode falar como tal?

Esse esforço para ser, a um só tempo, autor e espectador, para controlar o filme, mas também a recepção do filme, já dá ideia do narcisismo quase infinito de nosso herói. O contraponto aparece na pessoa de Marie, sua mulher. Ela não parece nada satisfeita por Malcolm ter usado, ao menos em boa parte, sua história pessoal, mas na hora ter usado outra atriz.

Começam as trocas de acusações e os dramas de casais. Essas discussões sem fim, que giram em torno de tudo e nada. Os diálogos e monólogos do roteirista Sam Levinson são inteligentes o bastante para que o espectador abandone a discussão. Na linha de Tennessee Williams e outros dramaturgos dos Estados Unidos do pós-guerra.

Quanto a Sam Levinson, o diretor, as impressões são mistas. As primeiras cenas, com o exaltado Malcolm atravessando a sala e outra sala da mansão em que agora vivem, indo e voltando, acompanhado por uma câmera colocada do lado de fora da casa fazem pensar em um estilismo estilista, quer dizer, numa busca de estilo que se esgota em si mesma.

O preto e branco reforça essa ideia. Não os planos longos. Esses procuram acompanhar o movimento e a reflexão dos personagens sem cortar-lhes o ritmo a troco de nada. Então, talvez, nem tão estilista assim: prático, antes.

Assim varia a impressão do espectador diante do filme. Diante dos argumentos de Marie percebe-se facilmente o quanto Malcolm é narcisista, não consegue sair de si mesmo, eventualmente um sanguessuga. Mas quando Marie se manifesta, por palavras e gestos, bem, talvez ele tenha alguma razão: ela se sabota etc.

Em alguns planos, a beleza e a eficácia se igualam. A luz não vem quase o tempo todo detestavelmente de trás, como em alguns preto e branco recentes (“Mank”, “Filmando Casablanca”). No entanto, a reivindicação de Malcolm contra os críticos (em linhas gerais: por que ele seria um “novo Spike Lee”, mas nunca um “novo William Wyler”?) se aplique ao filme.

“Malcom & Marie” tem essa exuberância que tanto impressionou aos contemporâneos dos filmes de Wyler, mas depois os tornou esquecíveis. O tempo dirá se resiste. Mas Levinson é um cineasta a seguir, sobretudo porque o filme não se esgota em brigas de casal circulares, com suas crueldades e recuos.

Parece central a franqueza e a frequência com que Malcolm (sobretudo) repete para Marie a expressão: “Eu tem amo”.

Mas a essa altura o espectador já está diante de outra questão que o filme propõe, talvez a mais interessante: afinal, o que é o amor entre duas pessoas?

Por falar em duas pessoas, os dois atores do filme —John David Washington e —Zendaya são ótimos e bem dirigidos. Não só com palavras, mas com gestos também, tornam perfeitamente secundário o fato de só haver dois atores em cena.

Por fim: esse é mais um exemplo de como Netflix privilegia distribuir filmes médios (ou pequenos), ao contrário da Amazon, por exemplo, onde parece que o mundo está sempre vindo abaixo a poder de efeitos especiais.

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