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Novos discos mostram Villa-Lobos que não se perde no Brasil

Transcrições para coro e composições para trios de compositor brasileiro ganham destaque em lançamentos

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São Paulo

Villa-Lobos: Choral Transcriptions

Villa-Lobos Trios

A primeira frase do coro “a cappella”, em pianíssimo, já nos faz prender a respiração: a melodia tem destaque exato; as linhas internas oscilam, equalizadas; o baixo é largo, ressoante. A “Canção sem Palavras op. 30 n. 3", de Mendelssohn, original para piano, transforma-se em vocalise na escrita de Villa-Lobos.

As frases líricas e sentidas compostas pelo alemão em 1834 recebem sempre a mesma resposta sonora curta e pausada, que conclui todas as indagações. Presente no original, esse jogo é mantido na versão vocal realizada quase cem anos depois pelo compositor carioca.

O álbum com as transcrições —arranjos bem fiéis— para coro concebidas por Villa-Lobos a partir de obras de Bach, Beethoven, Schubert, Mendelssohn, Schumann, Chopin, Massenet e Rachmaninov, que acaba de ser lançado pelo Coro da Osesp, é um dos mais impactantes da discografia recente dos corpos artísticos da orquestra.

Nele a musicalidade está acima da musicologia: é pleno de ideias e contrastes, e está além tanto da mera correção como do puro resgate histórico.

A regência da jovem italiana Valentina Peleggi é um ingrediente importante desse sucesso: revelada na edição 2014 do Festival de Inverno de Campos do Jordão, ela galgou uma rápida trajetória ascendente, assumindo o Coro da Osesp em 2017 e tornando-se regente assistente da própria orquestra.

Um exemplo de seu preparo e profissionalismo pode ser visto já em 2016, quando assumiu com categoria, em cima da hora, um dificílimo programa orquestral que incluía a estreia mundial de “Cecília”, de Maury Buchala, uma das mais complexas obras encomendadas pela Osesp na década passada.

É outro o Villa-Lobos que emerge das versões corais. Sem poder evidenciar “brasileirismos”, Villa permanece ousado para experimentos técnicos, e não teme mudar as tonalidades dos “sagrados” prelúdios e fugas de Bach.

Valentina Peleggi
Valentina Peleggi - Marcus Leoni/Folhapress

Sua conexão com o mestre barroco é tão profunda que, às vezes, parece pairar sobre Bach uma aura do próprio Villa-Lobos, como na extraordinária versão do “Prelúdio n.22” de “O Cravo Bem Temperado (Vol.1)".

Realizadas ao longo da década de 1930, as transcrições corais de Villa-Lobos coincidem, não à toa, com o período de composição das “Bachianas Brasileiras”, e é exatamente com a última delas que o álbum se encerra.

A gravação de Peleggi usa com sabedoria a variação de fonemas cantados em nome da transparência das vozes. Sua interpretação é mais leve, imaginativa e suingada que a anterior do próprio Coro da Osesp (regido por Roberto Minczuk na integral das “Bachianas” de 2006).

Um outro lançamento de qualidade reforça o internacionalismo de Villa-Lobos, viés que matiza as associações lineares de sua poética com clichês e manifestos nacionalistas.

Gravado por alguns dos mais importantes músicos brasileiros em atividade, o álbum duplo digital lançado pelo Sesc é dedicado aos trios do compositor, e inclui os três trios para violino (Claudio Cruz), piano (Ricardo Castro) e violoncelo (Antonio Meneses), e o seu único trio para violino, viola e cello (com a participação do violista Gabriel Marin).

O violoncelista Antonio Meneses
O violoncelista Antonio Meneses - Adriano Vizoni/Folhapress

Os três trios com piano foram escritos entre 1911 e 1918 (antes, portanto, das viagens a Paris e dos ciclos dos “Choros” e das “Bachianas”). Emerge deles —a partir de Debussy, a principal influência— um Villa-Lobos ainda alheio aos elementos sonoros típicos do Brasil.

Se os trios com piano antecedem o mergulho na cultura nacional das décadas de 1920 e de 1930, o trio de cordas, de 1945, parece transcender tais preocupações. É obra madura, de artesanato sério e especulativo, e que integra uma fase de vigor criativo que permanece menos conhecida, na qual ele compôs a maioria das sinfonias e quartetos de cordas.

Os lançamentos deste início de 2021 mostram que, aquém e além de seu período médio mais cultuado, há na música de Villa-Lobos a busca por uma humanidade profunda, que parte e volta ao Brasil sem se perder nele.

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