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Entenda por que a onda do streaming ainda não pegou no universo dos videogames

Cloud gaming encontra mais desafios do que música e TV, além de ter de convencer usuários

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Belo Horizonte

Tem gente que diz que a era de Aquário não começou. Mas a era do streaming, essa sim, está aí e é inconteste.

O Spotify terminou o ano passado com 345 milhões de usuários ativos ao redor do mundo. A Netflix ultrapassou a marca de 200 milhões de assinantes.

Só que enquanto a tecnologia está consolidada na música e no audiovisual, ela ainda dá os seus primeiros passos na indústria dos games —e tem encontrado algumas pedras no caminho.

Linha do tempo dos consoles
Catarina Pignato/Folhapress

Vale lembrar que o cloud gaming —como são conhecidos os serviços de “Netflix de jogos”— não é sinônimo de transmitir um vídeo de game na plataforma Twitch, por exemplo. Ele consiste em jogar diretamente na nuvem, sem precisar de console ou outro hardware.

Ou seja, o jogador não precisaria de máquinas de última geração ou de consoles de R$ 5.000 para jogar os títulos mais recentes. Daria para jogar num computador capenga ou até mesmo num celular.

É por isso que o Steam não pode ser considerado hoje uma plataforma de cloud gaming, já que os seus jogos são baixados e ocupam espaço no computador do usuário.

Mas se o streaming praticamente acabou com os CDs de música, os aparelhos de DVD e com a Blockbuster, os consoles ainda devem fazer parte da vida dos gamers por um bom tempo.

E no lado dos games, foi o streaming que sofreu uma baixa recentemente. O Google Stadia, uma das principais plataformas de cloud gaming, fechou seus estúdios de produção de jogos no início deste mês, em Montreal e Los Angeles, sendo que nenhum deles chegou a lançar um jogo, segundo o site Kotaku.

Música e vídeo passaram um bom tempo na corrida para o streaming antes de se consolidarem no formato. Já os jogos eletrônicos entraram no páreo para valer só mais recentemente.

“Se eu for pensar num ano marco para cloud gaming, ele seria 2019”, afirma Roberto Tadeu Rodrigues, especialista em telecomunicações, com ênfase em games. Apesar de já ter havido iniciativas anteriores à data, foi nesse ano que vários gigantes começaram a emergir no mercado, como o xCloud, da Microsoft e o Google Stadia.

“Em música, desde que surgiram os primeiros aplicativos até que se chegasse a um momento em que dá pra dizer que todo mundo usa um Spotify, um Deezer ou um derivado, demorou mais ou menos 13 anos”, diz Rodrigues. “No vídeo, desde o surgimento da Netflix até poder dizer que é normal ter uma assinatura, foram uns dez anos.”

Sony, Nvidia, Google e Amazon —as principais empresas que trabalham com games— já têm os seus serviços de cloud gaming, mas por enquanto a maioria não fez acenos ao público brasileiro.

O serviço de nuvem PlayStation Now, por exemplo, existe desde 2014. Só que sempre foi muito de nicho, está em poucos países e atende a um público muito específico, diz o especialista em telecom.

A exceção, por enquanto, é a Microsoft, dona do Xbox, que lançou no Brasil o xCloud em versão beta, isto é, em uma fase de testes para um grupo restrito de jogadores por um tempo determinado.

Mas por que o streaming de games tem tanto chão pela frente se comparado a seus equivalentes de música e audiovisual?

Uma primeira resposta tem a ver com a natureza técnica das três linguagens.

Com música e vídeo, o usuário apenas recebe dados. No cloud gaming, o que vai precisa voltar —e rápido.

"Quando aperta o botão no controle, você envia um pacote de dados que é processado na nuvem e você recebe de volta aquela imagem com a ação que você fez”, explica Rodrigues. E tudo isso tem de acontecer em um espaço de tempo bem curto para que o jogador tenha a sensação de fluidez no game e não perceba o “lag”, ou seja, um atraso de resposta. “O número mágico para isso é de mais ou menos 1,6 milissegundo", diz o especialista —uma piscada de olho leva em média 140 milisegundos.

Por outro lado, há de se provar a produtores e usuários que vale a pena pular para o novo modelo de consumo de games.

“A principal dificuldade do cloud gaming é que ele precisa crescer para os dois lados —para o lado dos estúdios produtores e para o lado do público.” diz Leandro Montoya, executivo na área de entretenimento digital.

“Por enquanto, eles [desenvolvedores] preferem publicar nas plataformas tradicionais, porque isso já dá uma receita muito grande. No cloud, ganhariam só uma porcentagem da assinatura.” O longo prazo traria ganhos de escala, mas o problema é saber quando e como dar o salto de fé.

E, para os jogadores, é fundamental provar que os jogos na nuvem terão a mesma fluidez que a de um console. Essa tarefa é especialmente difícil num país com uma infraestrutura de telecomunicações instável como a brasileira, principalmente fora dos grandes centros urbanos. E o futuro próximo dependerá de quando e como chegará ao país o 5G, nova geração de tecnologia sem fio.

Mas o Brasil tem uma vantagem que poucos têm, um enorme público em potencial ainda não explorado e que muitas vezes acaba se satisfazendo com a pirataria.

Pegue o elogiado “Zelda: Breath of the Wild”, por exemplo, que foi lançado há quase quatro anos. O jogo custa R$ 300 na loja online da Nintendo. Para grande parte dos brasileiros, pagar um valor desse num game é uma extravagância.

“A gente não sente isso quando está pagando um Disney+, uma Netflix. Parece mais como uma troca de valor justa”, diz Leandro Montoya. “A Netflix estourou no Brasil com uma assinatura que começou com um preço bem baixo e conseguiu atingir um público que usava pirataria.”

“Tem muita gente que gostaria de jogar os jogos que estão nos consoles, só que ao mesmo tempo não quer pagar R$ 5.000 num hardware", diz Roberto Tadeu Rodrigues.

"A pessoa pensa: sou casado, eu tenho filho, eu trabalho. Eu vou ter que gastar tudo isso para jogar de vez em quando?'. Se o cloud gaming for uma solução que deixa o cara jogar franquias famosas do universo dos games e não somente os jogos de celular, a um custo de uma assinatura próximo aos do Spotify e Netflix, por exemplo, aí é onde está a grande sacada do modelo."

O streaming é um caminho sem volta, na opinião de Carolina Caravana, vice-presidente da Abragames, a Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos. "Não vejo como uma corrida. É naturalmente para onde todo mundo está se voltando”, diz.

O cloud gaming pode trazer mais dinamismo à cena gamer brasileira, segundo Caravana, mas a nova tecnologia não deve acabar de vez com a pirataria nem transformar de uma hora para a outra o Brasil na Polônia, que é uma referência na área.

Para provar seu ponto, ela lembra quando o hoje gigante do streaming ainda era uma empresa de entrega de DVDs pelo correio. “A Netflix antes de se transformar em streaming, criou uma demanda no público. O consumidor ficou acostumado a comprar produtos audiovisuais pela internet, ainda que fosse mídia física, sem ter de sair de casa.”

Nesse cenário de preparar o campo, pode ser que o Brasil esteja no caminho certo. Carolina Caravana não pode dar spoiler, mas afirma que já tem gente por aqui trabalhando nessa criação de demanda por cloud gaming. Cenas do próximo capítulo.

"Os jogos em nuvem devem ter um boom nos próximos anos, à medida que mais serviços são lançados, mais jogadores ficam sabendo do serviço e a tecnologia continua melhorando. Acima de tudo, o conteúdo será o principal motivador para adoção", diz Guilherme Fernandes, da consultoria de games Newzoo.

"Em mercados emergentes, como o Brasil, existe de fato um enorme potencial para jogos em nuvem. No entanto, os problemas de infraestrutura precisarão ser resolvidos primeiro e isso pode levar algum tempo."

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