Precisamos combater o ideal de sonho americano, diz diretor de 'Ya no Estoy Aquí'

O longa, pré-candidato ao Oscar de melhor filme internacional, foi debatido em Ciclo de Cinema e Psicanálise

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São Paulo

Desde o início da produção do filme mexicano “Ya no Estoy Aquí”, processo que durou cerca de sete anos, a intenção era fazer um retrato diferente da América Latina, para além dos conflitos sociais.

"Eu queria uma visão não exótica, que expusesse a violência e a tragédia, mas sim falar da vida interior de Ulisses", afirmou Fernando Frias de la Parra, roteirista e diretor do longa pré-indicado ao Oscar de melhor filme internacional. "É muito importante escutar essas vozes. Pessoas marginalizadas, estigmatizadas, que têm uma identidade que sabem que não é bem recebida."

O cineasta participou do Ciclo de Cinema e Psicanálise, realizado nesta terça-feira (9) pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, com apoio da Folha e do MIS.

“Ya no Estoy Aquí” é conduzido pelo drama de Ulisses (Juan Daniel Garcia Treviño), que, tal como o protagonista da epopeia de Homero, é exilado de sua terra natal. Após um conflito de gangues em Monterrey, no México, o líder do grupo “Los Terkos” precisa fugir para Nova York. Mas a chegada aos Estados Unidos o leva a enfrentar novas agressões.


"Cada golpe desferido nele é fruto de uma violência colonial e revela a perda de lugar no mundo e de voz própria”, afirmou a psicanalista Luciana Saddi, que fez a mediação do debate. Para ela, o filme expõe uma desesperada luta por dignidade e pertencimento, e a resistência de Ulisses, que faz questão de manter sua língua e seu estilo. “A matéria-prima das imagens do filme é composta por desamparo, dor e perda, mas também por perseverança e amor por si mesmo."

Segundo a psicanalista Regina Rahmi, o protagonista precisa enfrentar a solidão e tenta, em vão, buscar eixos de sustentação nessa nova cidade. Ele encontra dois abrigos temporários junto da jovem de ascendência chinesa Lin (Xueming Angelina Chen) e da colombiana Gladys (Adríana Arbelaez), mas logo é rejeitado.

"Essas vivências de ruptura traumática nos fazem evocar o nosso desamparo originário. Freud já dizia que a gente nasce no desamparo e necessita de um outro para que nosso desenvolvimento possa acontecer. Ulisses vinha buscando esse objeto primário, essa pessoa que pudesse acolhê-lo de alguma forma."

O diretor destaca que a essência do filme tem muito a ver com a paixão de Ulisses pela música cúmbia colombiana rebaixada. No estilo musical, as músicas remixadas passam a ter mais do que o dobro da duração. “É como uma resposta, um desejo de alongar o momento. Acho que, em condições onde a falta de oportunidade é tão grande, a juventude é muito curta”, afirma.

Durante todo o filme, Ulisses tem muita clareza de sua identidade e de suas vontades. Para o jornalista Luiz Rivoiro, além de decisões como a de sair da festa que foi com Lin e a de não morar mais com os colegas da construção, ele percebe o momento certo em que tem que abrir mão das suas tão características mechas coloridas no cabelo.

Porém, mesmo com essa firmeza, Ulisses é incapaz de controlar as mudanças que Monterrey sofreu e de se sentir como um estrangeiro na cidade natal. "Quando ele volta ao México, é um desterrado na sua própria terra, porque o lugar se transformou totalmente pelo tráfico, violência e corrupção. Ele já não tem mais uma armadura, perdeu o penteado e os amigos. Que terra é essa que ele voltou?”.

Fernando Frias de la Parra ainda reforça que uma das primeiras coisas que tinha certeza quando escreveu o roteiro era a solidez da personalidade do protagonista e isso foi muito importante para contrapor com a personagem de Lin, que era uma espécie de representação da sociedade do consumo. "Era um ponto muito importante [mostrar] que o sonho americano não é para todos, é uma ideia que tem que ser combatida."

A próxima edição do Ciclo de Cinema e Psicanálise ocorre no dia 23 de fevereiro, às 20h, com debate sobre o filme “A Tabacaria”, de Nikolaus Leytner. A transmissão será feita pelo canal do MIS no Youtube. O filme não será exibido durante o debate, mas está disponível no Telecine Play.

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