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Livro sobre era Henrique 8º mostra reino distante do de Meghan e Harry

Fim da trilogia de Hilary Mantel mostra auge de Thomas Cromwell, sagaz com dinheiro e em cumprir ordens do rei

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O Espelho e a Luz

  • Preço R$ 59,96 (ebook, 768 págs.)
  • Autor Hilary Mantel
  • Editora Todavia
  • Tradução Ana Ban e Heloísa Mourão

Esqueça por um instante o príncipe Harry e sua consorte, Meghan Markle. Se você realmente está interessado na tradição secular da monarquia inglesa, a melhor maneira de empregar seu tempo é ler “O Espelho e a Luz”, da romancista britânica Hilary Mantel.

Não espere, porém, um conto de fadas, nem mesmo na versão irônica e assombrada por paparazzi que transformou Markle e, bem antes dela, a princesa Diana em fenômenos midiáticos. O livro, terceira parte da série cujos volumes um e dois são “Wolf Hall” e “Tragam os Corpos”, consagra a habilidade quase clarividente de Mantel em recriar a corte de Henrique 8º, vista em toda a sua crueza e instabilidade.

Os olhos que enxergam esse cenário são os de Thomas Cromwell, um plebeu nascido num bairro pobre de Londres que acabou se tornando o mais poderoso ministro de Henrique. A vividez com que a autora apresenta o mundo brilhante, violento e caótico do Renascimento e da Reforma Protestante vem toda da cabeça de Cromwell. É através dele que vemos os palácios e os trajes da nobreza, provamos os vinhos e a cerveja, sentimos os odores que emanam da farta cozinha de sua casa ou dos calabouços da Torre de Londres, onde o monarca manda trancafiar seus desafetos reais ou (com frequência considerável) imaginários.

O truque de franquear as portas da mente de Cromwell ao leitor funciona de tal modo que é difícil não simpatizar com o sujeito, apesar de seus numerosos pecados maiores e menores (que, verdade seja dita, ele está entre os primeiros a reconhecer).

O braço direito de Henrique 8º é uma mistura esquisita de pragmatismo implacável e escrúpulos de decência nas pequenas coisas, disposto a quebrar todos os ovos necessários para fazer uma omelete, poliglota, cosmopolita e inimigo do que enxerga como a corrupção inerente ao papado e ao catolicismo medieval.

homem de perfil com chapéu preto
Retrato de Thomas Cromwell feito por Hans Holbein; o original se perdeu, mas uma das três cópias que sobreviveram está na National Portrait Gallery, em Londres - Divulgação

“Ninguém imaginaria ao vê-lo agora, mas seu pai foi ferreiro, e ele tem afinidade com ferro, aço, com tudo o que é extraído da terra ou forjado, tudo que é levado a se fundir, ou que é lavrado, ou que recebe um fio cortante”, escreve Mantel sobre seu protagonista, numa das muitas passagens lapidares do novo romance.

Neste terceiro volume (que provavelmente pode ser lido de forma independente, graças ao guia de personagens antes do texto principal e a um discreto didatismo na narrativa), Cromwell parece ter atingido o ponto mais alto da pirâmide política inglesa. Sua habilidade com dinheiro se tornou lendária —assim como a lepidez com que vai desmontando mosteiros e ordens religiosas católicas a mando de Henrique (o rei se rebelou contra o papa por não conseguir permissão de Roma para se divorciar de sua primeira mulher).

Ele e seus jovens e ambiciosos assessores ajudaram Henrique 8º a fazer da protestante Ana Bolena sua rainha. Quando ela cai em desgraça diante do rei (por sua incapacidade de dar a ele um herdeiro do sexo masculino, por seu gênio irascível e pela tendência geral do soberano a se entediar com as mulheres), Cromwell engendra a prisão de Ana e a primeira execução pública de uma rainha na história da Inglaterra.

A sombra da decapitação da rainha (e de vários dos desafetos de Cromwell, arrastados ao cadafalso junto com Ana Bolena numa improvável trama de adultério e incesto com ela) pesa sobre o ministro de Henrique 8º durante toda a narrativa do terceiro livro. As tramas de Cromwell enfim conseguem dar ao rei a mulher e o filho que ele tanto desejava, mas o filho do ferreiro apostou alto demais, e desagradou jogadores demasiado poderosos, para que seus triunfos se tornem duradouros.

Há algo de inevitabilidade, portanto, na lógica narrativa que arrasta o leitor por quase 800 páginas —e, ao mesmo tempo, todos os elementos de imprevisibilidade e complexidade humanas que são as marcas de um grande romance. O mundo de Cromwell está separado do nosso por um abismo de tempo, mas ainda assim é um espelho capaz de refletir certa luz atemporal.

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