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Vencedores do Pritzker refutam espetáculo em nome de gestos simples

Dupla Lacaton & Vassal é conhecida por projetos que priorizam os pilares da arquitetura e materiais industriais acessíveis

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subsolo com estrutura aparente

O Palais de Tokyo, centro de arte contemporânea em Paris, é um dos projetos mais emblemáticos do escritório francês Lacaton & Vassal, vencedor do prêmio Pritzker 2021 Philippe Ruault/Pritzker/Divulgação

Museus com paredes que não parecem feitas para pendurar quadros. Casas com aparência de estufas agrícolas. Centros educacionais semelhantes a galpões industriais. Fachadas que não esclarecem o uso dos edifícios. Formas externas que não indicam suas funções internas. Com esses atributos, o escritório francês Lacaton & Vassal é o vencedor do Pritzker, o maior prêmio da arquitetura, em 2021.

Os sócio-fundadores Anne Lacaton e Jean Philippe Vassal se conheceram na faculdade de arquitetura em Bordeaux, onde se formaram em 1980. Ela nasceu no vilarejo de Saint-Pardoux-la-Rivière; ele, em Casablanca, no Marrocos, onde também passou a infância.

Seus projetos são conhecidos pelo uso de componentes industrializados. A ênfase, contudo, não está na alta tecnologia, mas em materiais banais de catálogo, comprados em qualquer loja de material de construção francesa. O resultado é uma mistura da estética fabril com as cicatrizes de decadentes indústrias ultrapassadas com a evolução tecnológica.

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A dupla francesa Anne Lacaton e Jean Philippe Vassal, fundadora do escritório de arquitetura ganhador do Pritzker 2021 - Philippe Ruault/Divulgação

Ao premiar Lacaton & Vassal, o júri do Pritzker sinaliza, sobretudo, o que de melhor se pode fazer com as obsoletas estruturas de cultura, de moradia e de produção do século 20. Foi a escolha por uma dupla celebrada no próprio meio arquitetônico por seu trabalho discreto, digno e cuidadoso.

Em paralelo, o prêmio segue se afastando de celebridades culturais. Já faz uma década sem que um chamado starchitect, como são conhecidos autores de megaprojetos mais talhados para chamar a atenção do que para atender demandas estruturais, não vence a honraria.

Também surpreende ao ignorar as bolsas de apostas que, na esteira do Black Lives Matter, davam o favoritismo aos arquitetos negros Diébédo Francis Kéré, de Burkina Faso, e David Adjaye, de nacionalidade britânica e ganesa.

Uma experiência africana, aliás, foi determinante na formação de Jean Philippe Vassal. Quatro anos depois de receber o diploma, ele foi morar no Níger e construiu, numa área desértica, sua casa com gravetos, palha e sacos de juta. Era praticamente uma cabana primitiva de forma circular.

Em 1987, o casal abriu seu escritório em Bordeaux. Ficaram na cidade do sul da França até vencerem o concurso nacional para o Palais de Tokyo, em 1999, quando se mudaram para Paris. Os arquitetos passaram a trabalhar num galpão, em meio ao canteiro de obras.

A encomenda era um centro de arte contemporânea para ocupar metade de um palácio proto-moderno projetado na década de 1930, na margem direita do rio Sena. Sede do Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris e do centro cultural que dá nome ao complexo, o edifício exalava ambiguidade –a estrutura é do concreto armado do modernismo, mas há também uma colunata tal como um monumento da Antiguidade.

O ponto é que uma ala da edificação nunca chegou a ser concluída conforme os planos palacianos originais. E Lacaton & Vassal propuseram a manutenção do aspecto inacabado dessa parte. Assim, o Palais de Tokyo parece estar eternamente em fase de construção, tanto estrutural quanto esteticamente. Nesse sentido, está em sintonia com o projeto da instituição –o centro cultural é um laboratório de experimentações artísticas e não um museu calcado no acervo permanente.

Em meio aos espaços de pé-direito altíssimo e paredes de alvenaria aparente, os arquitetos foram inserindo elementos leves –painéis deslizantes, grades, cortinas, escadas metálicas– para readequações mínimas, deixando bastante em aberto as possibilidades de uso.

Portanto, o Palais de Tokyo se tornou uma espécie de anti-cubo branco. Ou seja, não é um ambiente supostamente neutro para receber obras de arte sem interferência do contexto para sua apreciação. Os ambientes internos, com seu caráter imperfeito, influenciam diretamente os artistas convocados a atuar no lugar.

Emblemáticos na trajetória de Lacaton & Vassal foram também os projetos, feitos em parceria com o arquiteto Frédéric Druot, para a reabilitação de quatro conjuntos habitacionais modernistas em periferias de grandes cidades francesas. As premissas estabelecidas –transformar o edifício sem demolir construções, remover famílias ou deslocar moradores.

Na torre Bois-de-Prêtre, ao norte de Paris, em 2011, e em 530 apartamentos no bairro de Grand Parc, em Bordeaux, em 2017, a solução foi erguer esqueletos externos nas fachadas dos velhos prédios. Ou seja, novas estruturas foram acopladas aos antigos edifícios de modo a ampliar a área de cada apartamento, criando varandas e jardins de inverno, ampliando salas e quartos e abrindo portas e janelas para deixar entrar mais luz nos ambientes internos.

Usando essa estratégia de embrulhar, por assim dizer, as edificações originais, os empreiteiros puderam renovar suas infraestruturas e instalações prediais sem obrigar os moradores a se mudar durante as obras.

Edifícios estigmatizados ganharam um aspecto contemporâneo. As fachadas compostas de elementos leves e vidros transparentes deixam revelar, de certo modo, a vida cotidiana das centenas de famílias. E, economicamente, se provou muito mais barato do que a lógica de substituir os conjuntos habitacionais por prédios novos.

Em residências unifamiliares, Lacaton & Vassal alicerçam suas escolhas construtivas numa “cultura da industrialização, nos seus exemplos de influência e otimização”, como afirmou o arquiteto Pedro Varella Jiquiriçá, que pesquisou a obra da firma francesa.

Três projetos residenciais chamam a atenção –a casa Latapie em Bordeaux, de 1993; a casa em Coutras, de 2000; e o conjunto de 14 moradias sociais em Mulhouse, de 2005, são assumidamente low-tech. Nas fachadas e nos telhados são empregadas telhas de fibrocimento opacas e de policarbonato translúcido, conferindo uma estética nada luxuosa de galpão agrícola ou de oficina de subúrbio. Para divisórias e fechamentos internos, são usadas chapas de madeira barata em geral usadas como moldes para concretagem e depois descartadas.

As casas têm estruturas metálicas simples, com muito uso de alumínio. Não há detalhamentos sofisticados –os arranjos entre componentes pré-fabricados são conscientemente simplificados. Tudo feito em prol do baixo custo e da rapidez construtiva.

Outra consequência é a capacidade de ter uma área construtiva maior com menos material. Essa metodologia renega um projeto de decoração feito por arquitetos. Advogando pela liberdade de apropriação dos espaços pelos proprietários das casas, Jean Philippe Vassal afirmou que é “necessário ter confiança na capacidade dos moradores". "Nós sempre nos surpreendemos com a criatividade deles.”

Num centro urbano em avançado processo de desindustrialização como a Île de Nantes, a dupla Lacaton & Vassal fez a sede de uma faculdade de arquitetura que mais se assemelha a um edifício-garagem. A estrutura pré-moldada de concreto e as largas rampas aparentes do exterior parecem servir para guardar carros, mas fechamentos com painéis leves facilmente deslocáveis faz dali um lugar de ensino cheio de espaços flexíveis.

Já o FRAC de Dunquerque ocupa um antigo estaleiro de barcos. Mesmo com finalidade marítima, a estrutura original é alta como um hangar, o que faz dela um lugar excelente para abrigar grandes atividades artísticas. O escritório de arquitetura decidiu fazer uma edificação gêmea ao lado –a mesma volumetria exterior, mas composta por uma leve pele de chapas translúcidas corrugadas.

O interior dessa duplicata é dividido em andares que funcionam para a guarda de acervos públicos e como ambientes de convivência, semelhantes aos nossos edifícios do Sesc. No fundo, são gestos simples que refutam qualquer noção de espetáculo.

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