Comprar arte em NFT é arcar com taxas mais caras que as obras, em processo confuso

Plataformas têm excesso de oferta, mas compra demanda passar por corretora de moedas virtuais

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São Paulo

Procurar NFTs para comprar é como ir à feira num sábado. Se na rua os vendedores de frutas anunciam aos berros os abacaxis mais doces, os sites que vendem obras de arte com certificado digital têm uma infinidade de autoproclamados criptoartistas que oferecem suas imagens e animações como se fossem os trabalhos com maior potencial de valorização financeira do mercado.

Os NFTs, ou tokens não fungíveis, da sigla em inglês, são a nova febre do mundo da arte. Trata-se de um código alfanumérico armazenado na rede blockchain associado a uma animação, uma imagem em JPG, um vídeo ou uma música, por exemplo. Mas na verdade qualquer coisa pode estar vinculada a este certificado, inclusive objetos físicos.

Ao vender uma animação em preto e branco de blocos quadrados giratórios na plataforma brasileira Hic et Nunc, a artista OffaPerry anunciava num fórum que a primeira edição da obra seria de graça, mas as outras cinco sairiam por R$ 40 cada uma, o equivalente a um tez, uma moeda virtual. Neste mesmo canal, centenas de outros usuários ofereciam seus trabalhos atrelados a uma ideia de escassez.

Imagem da obra em NFT "Dumb Stray Cats - #12", do criador ximdx?, disponível no site OpenSea - Divulgação OpenSea

Mas, assim como é impossível saber se o morango mais vermelho foi o que você levou ou se era o da banca ao lado, a cacofonia de vozes, o excesso de oferta e a ausência de curadoria da maioria dos sites de venda de NFT tornam difícil o processo de escolha.

Deveria comprar a imagem em JPEG de uma figura humana pixelada com os escritos “dedo no cu e carinha feliz” por 0,3 tezos, ou cerca de R$ 11, ou um pedaço do braço direito da tenista croata Oleksandra Oliynykova, onde posso tatuar o que quiser, por três ethers, ou cerca de R$ 41 mil?

Depois de horas navegando pelo popular site OpenSea, decido adquirir uma “obra” oferecida de graça—uma animação tosca na qual uma faixa de luz roxa e outra verde piscam sobre um gatinho fofo deitado no chão.

Pensei ser uma boa opção para começar a minha coleção de NFTs e entrar no atual hype do mundo da arte, mas secretamente alimentava minha paixão por gatos, enquanto nutria a esperança de que em poucos meses meu felino seria arrematado por uma fortuna, como aconteceu com um JPEG do americano Beeple, que arrecadou R$ 387 milhões num leilão da Christie’s em março.

Adiciono o NFT ao carrinho. Na hora de fechar a compra, recebo o aviso de saldo insuficiente. Mas não era grátis? A taxa para que o gatinho passasse para a minha carteira virtual —uma extensão do navegador Google Chrome usada para transações em criptomoeda e armazenamento de tokens— variava entre R$ 500 e R$ 600. Chamado de “gas”, o imposto é pago para completar transações na rede blockchain, sendo comum que ele exceda em várias vezes o valor do produto adquirido.

A experiência de compra —como dizem os marqueteiros— dos NFTs é o oposto da praticidade de comprar com um clique a que a Amazon nos acostumou. Primeiro é preciso transferir uma quantia em reais para uma corretora de criptomoedas, para depois converter esse montante em ethers, a uma taxa de mais de R$ 250. O ether é a principal moeda virtual de negociação dos tokens. Uma vez convertido, o valor seria transferido para a minha carteira digital e, dali, para o dono do gatinho.

A explosão do mercado de tokens não fungíveis é um dos fatores responsáveis pela valorização recente do ether, segundo Courtnay Guimarães, cientista chefe de blockchain da consultoria Avanade. A atividade dos mineradores, como são chamadas as pessoas que validam as trocas, e o aumento de transações financeiras nesta moeda desde 2020 são outros, acrescenta o especialista.

O ether é hoje a criptomoeda mais cara depois do bitcoin —uma unidade equivale a mais ou menos R$ 13,9 mil, e por isso é enganoso achar que NFTs vendidos por 0.1 ether, preço comum para artistas iniciantes, são acessíveis.

No fim, desisti de adotar o gatinho, pois só em taxas eu pagaria mais do que o criador cobrava pela obra —e, de todo modo, posso mandar o link do GIF para os meus amigos verem o felino, posto que vive na internet. Ele é o número 12 numa série de mil animações intitulada “Dumb Stray Cats”, ou gatos de rua idiotas, segundo a descrição do criador, o misterioso Ximdx, cujo avatar no site de compras é um ponto de interrogação.

Além de economizar, ajudei a salvar o planeta. Para que o felino fosse meu, com um clique do mouse teria gasto 35 kWh de energia, o equivalente ao consumo de um cidadão da União Europeia por quatro dias, segundo um estudo do engenheiro computacional Memo Akten. Este é o custo médio da emissão de carbono para cada transação feita na rede Ethereum, e um de seus pontos de maior crítica.

​Questões ecológicas, tecnológicas e financeiras à parte, torço para meu gatinho virtual encontrar um dono.

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