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Em 'Alvorada', palácio que foi bunker de Dilma é um organismo vivo

Documentário que compete no É Tudo Verdade dribla o desafio de narrar bastidores do impeachment sem poder de fato o fazer

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São Paulo

Alvorada

  • Quando Terça (13), às 21h; quarta (14), às 15h, seguido de debate
  • Onde No Looke
  • Preço Grátis (limite de mil acessos)
  • Classificação Livre
  • Produção Brasil, 2021
  • Direção Anna Muylaert e Lô Politi

“Deste Planalto central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável em seu grande destino.”

No dourado saguão de ingresso do Palácio da Alvorada, está gravada a frase de Juscelino Kubitschek. Ela não aparece em “Alvorada”, documentário de Anna Muylaert e Lô Politi que estreia no É Tudo Verdade, mas é como se lhe servisse de epígrafe irônica. Sabemos que o que se verá é um ocaso.

A ideia paira sobre o filme desde os créditos iniciais, em que as letras vão se afinando, como as colunas do palácio vistas em perspectiva, ou uma imagem que se desfaz, distorcida, no ar quente e seco de Brasília.

É a noite de 17 de abril de 2016, após a abertura do processo de impeachment. Estamos dentro de um dos carros da comitiva que conduz Dilma Rousseff ao Alvorada. O clima da cena, embalada por uma sinfonia de Villa-Lobos, traduz o senso de urgência de chegar ao destino onde a presidente afastada se encastelará para produzir sua defesa.

A visão subjetiva dá a impressão de que penetraremos na intimidade de Dilma durante o processo. Essa ilusão logo se desfaz, na primeira fala da presidente às diretoras.

“Eu não sou um personagem.” Ao ouvir que, sim, é, retorque. “Não. Para você. Eu não sou um personagem o tempo inteiro.” E adverte. “Tem coisas que vocês não farão, eu não vou permitir.” E define seu objetivo, que é “não deixar, sejamos nós ganhadores ou não, que a versão seja deles”.

Se, como fica claro, a câmera não pretende se mostrar isenta, tampouco se põe como submissa. Diante do interdito, o filme usa os limites da intimidade como um motivo, sublinhado nas cenas em que Dilma avisa que aquele momento não deve ser gravado.

Ou quando, após ter se negado a ser personagem, se deixa construir enquanto tal, com frases como “eu não deprimo” e “eu não desequilibro”.

Ela não mora ali, afirma a um jornalista, moradia é só o andar superior, onde a câmera não penetra. Se aquela não é uma casa, o que é? Bunker, fortaleza, trincheira. Isso é o que pode a equipe retratar e que constitui o registro possível. Não é pouco.

Sobretudo, é como organismo vivo que o Alvorada surge, se justificando ele próprio como título e personagem.

Vemos o entra e sai de assessores, ex-ministros, apoiadores. A azáfama dos empregados é o sangue garantindo o funcionamento dos órgãos.

Essa unidade corpórea se reforça nas cenas de maior páthos do filme, aquelas nas quais, como pano de fundo para as atividades da lavanderia ou da cozinha, as falas do julgamento do impeachment se multiplicam em diferentes aparelhos de TV das entranhas palacianas.

É um documento dos mais interessantes que dribla o tempo todo o desafio de narrar os bastidores sem poder de fato o fazer. O resultado se fragmenta como a paisagem nos muitos reflexos que a arquitetura de Niemeyer proporciona.

A tensão expectante que se sustenta quase faz esquecer que conhecemos o final. Mas ele chega, em 6 de setembro, e com ele vem a palavra “casa”, colada numa caixa.

“Casa” é para onde vão o fogão, a geladeira. Casa são as miudezas que a fiel assessora organiza, os brincos, os cabides já vazios, pequenos traços de melancolia que o filme se concede, possivelmente à revelia do personagem que Dilma quer deixar.

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