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Filme do É Tudo Verdade sobre Paul Singer vale pela aula de civilidade

Documentário de Ugo Giorgetti conta a história do grande entusiasta da economia solidária, um dos fundadores do PT

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Há ao menos um aspecto determinante que liga um momento crucial da infância de Paul Singer (1932-2018), tema do documentário de Ugo Giorgetti em exibição no É Tudo Verdade, e as últimas décadas da vida do economista.

Singer tinha seis anos quando a Alemanha anexou a Áustria, onde ele vivia. Estimulado pela animação dos amigos, o garoto queria saudar a entrada das tropas de Hitler em Viena, mas a mãe o proibiu. “Por quê?”, perguntou. “Porque você é judeu.”

A partir daquele momento, a família fez de tudo para deixar o país sob o nazismo e conseguiu embarcar para o Brasil em um dos últimos navios a deixar a Europa rumo a América antes da Segunda Guerra Mundial.

Pulemos décadas para frente. Pesquisador do Cebrap, intelectual consagrado e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, Singer mantinha a fé no socialismo, mas sabia que a transição para um outro sistema econômico demoraria tempo demais e a pobreza brasileira não poderia esperar. Engajou-se, então, no fortalecimento da economia solidária.

“Meu pai juntou a ideia de que o socialismo precisava ser construído por baixo, dentro do capitalismo, e não como algo que vem de fora, com a situação de penúria dos trabalhadores. Passou a propor a auto-organização em cooperativas como saída que atendia, ao mesmo tempo, às duas necessidades”, disse André Singer, filho mais velho, em depoimento de despedida ao pai, publicado pela Folha em abril de 2018.

Aquele momento de menino e essa fase final da vida, voltada à economia solidária, unem-se, entre outras coisas, pela notável capacidade de mobilização, algo que o documentário registra bem. Não bastam as teorizações –como lembra Giorgetti, Singer "sabia que não se pode ficar inerte”.

Essa universidade burguesa [USP] não tem nada para me ensinar. O que preciso aprender vou aprender sozinho

Paul Singer

lembrando, em cena do filme, sua resistência à USP; mais tarde, ele acabou entrando no curso de economia

O documentário “Paul Singer - Uma Utopia Militante” é o primeiro dos 21 filmes de Giorgetti em que a ideia original não partiu do próprio cineasta. O projeto nasceu de um grupo de admiradores do professor Singer, como Fernando Kleiman e Marcos Barreto, que conseguiram viabilizar a produção por meio de um crowdfunding.

Não demorou, contudo, para que Giorgetti passasse a admirar o homem que apresenta no filme, do militante da greve de 1953 ao professor da Universidade de São Paulo cassado pela ditadura; do secretário de Planejamento da Prefeitura de São Paulo sob Luiza Erundina (1989-1992) ao responsável pela área de economia solidária nos governos Lula e Dilma.

Além da tenacidade de Singer, já descrita, Giorgetti ressalta a fidelidade dele à democracia. A certa altura do filme, em uma entrevista gravada poucos anos antes da sua morte, o economista afirma: “Ser de esquerda é ser integralmente democrático. O grande objetivo da esquerda é levar a democracia ao seu limite. O que Stálin fazia [na União Soviética] era indefensável”.

Democracia implica disposição para o debate e, nesse sentido, Singer era insuperável. As aulas dadas por ele na universidade e em cursos extracurriculares só faziam sentido se houvesse espaço para as discussões com os alunos.

Diretor sensível que é, Giorgetti levou esse espírito aberto ao debate para a construção do filme. Entre os depoimentos, o documentário ouve Delfim Netto, economista que foi professor de Singer na USP e ministro durante o regime militar. Ouve ainda José Arthur Giannotti, filósofo que participou do famoso grupo de leitura de “O Capital”, de Marx, com Singer e outros colegas, e intelectual historicamente ligado ao PSDB, embora crítico ao partido nos últimos anos.

Ambos não escondem as divergências em relação ao pensamento de Singer, mas exaltam o caráter e a gentileza dele.

Não tivesse outras qualidades, o documentário valeria pela aula de civilidade oferecida por esses três homens de sagacidade incomum. E ironia, claro, pressupõe inteligência. Com um sorriso leve, Delfim diz: “Hoje todos nós somos um pouco marxistas”.

Paul Singer, uma Utopia Militante

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