Futuro do NFT nas artes deve ter menos memes, moedas 'limpas' e pagamento simples

Plataformas também investem arte virtual atrelada a objetos físicos para atrair público não familiarizado com tecnologia

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'Hercules: Bitcoin', trabalho em NFT do criptoartista Tom Badley Tom Badley/Reprodução OpenSea

São Paulo

Desde que a obra totalmente digital “Todos os Dias: Os Primeiros 5.000 Dias”, do americano Beeple, foi vendida num leilão da Christie's por cerca de R$ 387 milhões há um mês, os chamados NFTs tomaram a discussão das artes plásticas, e outras áreas da cultura, como música e moda, começaram a dar as caras nessa corrida do ouro digital.

E, com a mesma velocidade que essas obras em JPEG fizeram nossos queixos caírem com valores estratosférico em leilões, os problemas do mercado desses certificados de autenticidade começaram a pipocar.

Arte virtual tem circunferência coberta de plantas, em um fundo preto
'Distance', de Chris Precht, arquiteta que desistiu de fazer trabalhos em NFT após descobrir o impacto ambiental que eles causam - Dezeen no YouTube

Impacto ambiental por um alto gasto de energia, dificuldade para o público em navegar no universo das criptomoedas e discussões sobre quanto esse mercado pode desvalorizar cercam o NFT —ou token não fungível, da sigla em inglês.

Profissionais que miram esse universo, no entanto, apostam que a tecnologia associada ao blockchain veio para ficar e investem em plataformas mais acessíveis, com curadoria, e até em experiências presenciais atreladas à venda das obras virtuais para familiarizar o público leigo.

“O NFT, nesse momento, é como as redes sociais dez anos atrás. Todos saíram em manada, mas ninguém sabia exatamente como se comportar nesse universo”, diz Bianca Pattoli, consultora em criptoarte e uma das sócias da Menta Land, uma agência criativa de projetos em NFT.

“Muito artista ou marca pega um produto que já tem e só joga em NFT. Enquanto os que têm uma base de fãs se dão bem, muita gente não se dá. É nisso que mora a especulação, inclusive.”

Na Menta, ela aposta em NFTs de áreas diversas para artistas e marcas que podem, inclusive, ser atrelados a peças físicas. Ela também ressalta que é importante empresas pensarem num retorno social e cultural do projeto dentro desse universo. "Quem conseguiu vender um meme no NFT não vai ser a regra. Vivemos um momento em que cobram tudo das marcas e das empresas. É só ver a rapidez com que cobraram a questão ambiental do NFT."

Hoje, a maior parte desses certificados digitais são cunhados na rede Ethereum, uma espécie de bitcoin. A cada transação feita, essa rede gera uma autenticação. Para a certificação acontecer, no entanto, é preciso que galpões com dezenas de computadores, chamados de “fazendas”, minerem os dados —e esses espaços consomem uma imensa quantidade de energia.

É possível, no entanto, driblar em parte esse dano ambiental ao escolher redes que não o Ethereum. Plataformas brasileiras —e a própria Menta— trabalham com redes mais limpas para a venda das obras digitais. É o caso da Hic et Nunc, site de arte virtual que opera em tezos, considerada uma moeda mais correta ecologicamente. Ainda existe a expectativa de que a própria Ethereum fique mais limpa com o passar do tempo.

Essas transações também têm um custo elevado, que pode minar tanto a compra quanto a entrada de artistas nesse campo. O imposto pago para fazer transações na rede blockchain, chamado de "gas", por exemplo, muitas vezes é mais salgado do que o valor da obra.

O artista digital Uno de Oliveira, um dos primeiros a trabalhar com NFT no Brasil, conta que um artista pode gastar entre R$ 600 e R$ 1.000 só para pôr sua obra no ar num site fechado e com curadoria.

Ele defende, no entanto, que essas taxas podem ficar menores ao longo do tempo. E acrescenta que, no campo das artes gráficas, esse certificado abriu uma porta inédita.

“A gente nunca conseguiu fazer um trabalho artístico autoral, foi tudo sempre muito ligado a agências e marcas, justamente pela volatilidade. O que tenho como arte é um JPEG. Com o NFT, esse processo mudou porque essa imagem tem um selo de autenticidade, tem valor”, afirma.

Oliveira também tem realizado artes visuais em parcerias com músicos, como animações com trilha sonora composta pelo músico André Abujamra, e conta que trabalhos com marcas de moda também estão no horizonte.

Ilustração de Lampião, que tem um buraco em formato de coração no peito
'Lampião', do artista digital Uno de Oliveira, um dos primeiros no Brasil a trabalhar com NFT - Divulgação

“Algo que afasta as pessoas do mundo do NFT é a complexidade dele. Para conseguir fazer uma compra numa plataforma, você precisa fazer uma carteira, precisa pagar o ‘gas’”, exemplifica Lucas Mayer, um dos sócios da plataforma de música em NFT Phonogram.me.

Uma das soluções para facilitar a vida do comprador é trazer a carteira de criptomoedas para o site e também implementar a possibilidade de comprar diretamente em real pela plataforma.

Janara Lopes, outra sócia da Phonogram.me, diz que a empresa também prepara experiências reais para atrelar aos produtos virtuais —uma estratégia para o público que ainda não tem contato com a criptoarte tentar enxergar valor nessa nova modalidade de investimento. Um NFT de uma música pode vir, por exemplo, com o vinil número um da mesma banda.

Como o certificado é uma espécie de contrato, nada impede que objetos físicos e até experiências como ingressos para uma turnê estejam atreladas à compra.

Uma preocupação maior parece, no entanto, cercar todo esse mercado de NFT —afinal, ele é ou não é uma bolha prestes a estourar?

Reportagens recentes do New York Times e da Bloomberg, por exemplo, apontam para alertas de especialistas, que já apresentam dúvidas sobre a sustentabilidade dessa arte digital. Desde que “Todos os Dias: Os Primeiros 5.000 Dias” foi leiloado, o valor médio diário de NFTs vendidos nos mercados monitorados pelo Nonfungible.com caiu de US$ 19,3 milhões para US$ 3,03 milhões no final de março, segundo a Bloomberg.

O artista digital Drue Kataoka atribui a essa queda de preços também uma questão ética. À agência de notícias, ele afirmou que o teor sexista e até racista de alguns trabalhos de Beeple, que foram discutidos depois da venda da obra na Christie’s, expuseram a cultura tóxica presente em parte da arte virtual.

“Bolhas não querem dizer que não exista uma tecnologia interessante por trás e que isso não vá ser utilizado nos próximos anos. Só quer dizer que os ativos estão com um preço acima do que seria justo para eles”, diz Guilherme Nigri, diretor da Tropix.io, plataforma de arte brasileira em NFT e um dos apresentadores do Bit by Bit, podcast de inovação do ITS, o Instituto de Tecnologia e Sociedade.

Nigri defende que os NFTs são, inclusive, uma forma mais segura para artistas e colecionadores lidarem com obras de arte —que ficariam mais protegidas num ambiente à prova de desgastes físicos como o mundo real e seriam, assim, mais fáceis de negociar.

Segundo ele, essas ilustrações, GIFs e memes também permitem uma customização que pode ser interessante para os compradores, como uma modulação de cores ao longo do dia. Nesse sentido, uma tela digital pregada na parede pode ser o próximo passo para os NFTs.

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