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Gerald Thomas recria 'Terra em Trânsito' para tempos de pandemia em versão gravada

Espetáculo exibido 15 anos atrás, no governo Bush, estreia virtualmente em 10 de abril, também com a atriz Fabiana Gugli

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Rosto da atriz aparece em close, iluminado por uma vela em um ambiente escuro

A atriz Fabiana Gugli na nova versão da peça 'Terra em Trânsito', de Gerald Thomas Luiz Maximiano/Divulgação

São Paulo

Quando a atriz Fabiana Gugli, de 46 anos, fez o monólogo "Terra em Trânsito", de Gerald Thomas, 15 anos atrás, ela viveu no palco uma diva da ópera enclausurada em seu camarim se preparando para entrar em cena e cantar sua ária em “Tristão e Isolda”.

Na versão gravada da peça, que estreia no próximo dia 10, os delírios da personagem são vividos dentro da própria casa da artista, que virou o bastidor do teatro, e o texto do diretor espelha crises culturais, políticas e sanitárias de 2021.

“Quando eu fiz o texto originalmente era o George W. Bush no poder”, conta Gerald Thomas, que vive em Nova York. “Nessa última versão, estamos dentro do cérebro de Donald J. Trump.”

Nesse monólogo desenfreado, Gugli continua a falar com um cisne –boneco manipulado por Isabela Carvalho e com voz de Marcos Azevedo–, alimentado à força para virar foie gras. Já os diálogos que tinha na frente do espelho no teatro passam para a câmera. O espetador de 2021 de “Terra em Trânsito” é como o Grande Irmão nos bastidores.

Entre as mudanças da peça está, por exemplo, a substituição de uma gravação de Paulo Francis que abria o espetáculo por uma de Ney Latorraca. "Ele e a Fabi discutem que o fascimo não tem lugar, e eu começo a brincar um pouco com os 'ismos' —o socialismo, o tropicalismo. Mas o cerne [do texto] não mudou, ele continua basicamente ali", diz.

A primeira experiência com uma versão virtual da peça foi ainda em julho de 2020, numa apresentação única na série de lives do Sesc. Ali, os ensaios já aconteceram remotamente e a apresentação já foi transmitida da casa da atriz, em São Paulo.

“Eu literalmente transformei minha casa num camarim com tudo que eu tinha, como o espelho da casa da minha mãe. Metade da minha carreira está em cena, estão todos os figurinos, os objetos que significam para mim”, conta Gugli, para quem o espetáculo foi escrito.

“O ensaio foi pelo Zoom, que falhava a cada 15 minutos, ia, voltava, congelava a tela, quadriculava como um quadro do Picasso, um Francis Bacon que deforma tudo. É aquela coisa toda ‘alô?’, ‘você não está ouvindo?’, ‘onde foi que a gente parou?’”, diz o diretor, sobre esse que foi seu primeiro trabalho online durante a pandemia.

O texto não sofreu grandes alterações, como a própria dupla explica, mas o que era uma ficção de uma atriz enclausurada ganhou uma camada de realidade com uma artista que está, de fato, trancada em sua própria casa e sendo vigiada por uma câmera.

“Essa realidade invadiu a ficção bem forte, e criou outros significados. É uma pessoa enlouquecendo dentro de casa, falando com as paredes, falando com o cisne”, diz Gugli.

“Aquilo que, no palco, tinha um significado meio operístico, do teatro, do palco e da encenação agora tem outra dimensão e cabe na tela.”

Retrato de Gerald Thomas, em que ele aparece de óculos e blusa escura
Retrato do diretor Gerald Thomas durante lançamento de livro - Alexandre Nuni

Um dos espetáculos que mais marcou a carreira do de Gerald Thomas, “Terra em Trânsito” passou três anos em temporada a partir de 2006, com apresentações em São Paulo, Rio de Janeiro, Nova York e uma versão em espanhol no Festival de Teatro de Córdoba, na Argentina.

“Eu me lembro dos primeiros ensaios do Gerald, há 15 anos, em que eu pegava o texto na mão e falava ‘eu não estou entendo nada’”, lembra, rindo, a atriz. “A dramaturgia do Gerald atravessa a nossa vida contemporânea. É uma mistura de referências com erudição, arte pop.”

Ela conta que se sentiu “órfã de trabalho” logo no começo da pandemia, quando as gravações de uma série que estava fazendo foram interrompidas com o começo da quarentena no Brasil.

“Quando me peguei aqui em casa, com todo mundo preso dentro de casa, me veio aquela sensação. Falei para minha filha ‘eu estou vivendo ‘Terra’ 15 anos depois’”, conta. “Esse foi um trabalho que marcou a minha carreira, e tem muita gente das gerações mais novas que não viu e vai ter, agora, a chance de ver”, afirma a atriz.

Feito com recursos da Lei Aldir Blanc, o espetáculo foi trabalhado durante quatro meses e feito em fevereiro, concentrado em dois dias de gravação.

O filme é todo sem cortes, com uma câmera estática —o que faz com que o monólogo online pareça uma cena que acontece ao vivo para esse espectador virtual.

"Fiz com que a Gabi fizesse o zoom, que ela chegasse perto da câmera e saísse. Dessa vez não tem o espelho, a câmera fica sendo o próprio espelho", diz Gerald.

Em vez de ser viciada em cocaína, na versão atual a diva se empanturra de remédios, que aparecem como jujubas. A escolha é mais técnica do que dramatúrgica —com as regras de transmissão do YouTube, o diretor conta que ficou inviável manter o vício original da protagonista.

"A mídia é muito moralista, o teatro não. Você está fazendo a peça para 200, 300 pessoas e as que vão esperam ver nudez, ouvir palavrão", critica o diretor. "Agora tem esse falso puritanismo de merda, que você tem que adequar o que é permitido."

Gerald Thomas, que está com 66 anos, agora planeja revisitar as peças de Samuel Beckett, também com Fabiana Gugli. "Ninguém melhor que ele para falar dessa reclusão, da catástrofe da morte. Então, como eu comecei a minha carreira com Beckett, na década de 1980, eu vou voltar a ele."

Terra em Trânsito

  • Quando Estreia em 10 de abril, às 20h. Até dia 25, sáb. e dom.: às 20h. Peça fica disponível online a partir de 1º/5 até 31/5
  • Onde Transmissão no YouTube, pelo link bit.ly/terraemtransito
  • Preço Gratuito
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Fabiana Gugli
  • Direção Gerald Thomas
  • Duração 40 min.
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