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Quem é o homem que vendeu a sua própria pele e inspirou um filme no Oscar

Tim Steiner teve tatuagem nas costas negociada para colecionador, que levará obra para casa quando tatuado morrer

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'Tim', obra do artista belga Wim Delvoye, que tatuou as costas do modelo Tim Steiner Divulgação

São Paulo

Milhares de pessoas têm as costas tatuadas, mas só uma delas expõe a pele fechada com desenhos da nuca ao cóccix em museus ao redor do mundo, além de inspirar um filme indicado ao Oscar.

Oscar 2021 anuncia os vencedores em cerimônia à noite; acompanhe ao vivo.

Esta é a história de Tim Steiner, o antigo gerente de um estúdio de tatuagens de Zurique que cedeu suas costas para o artista belga Wim Delvoye então transformar seu corpo numa obra de arte a ser vendida e exibida em diversos países.

Delvoye —conhecido por trabalhos provocadores, como “Cloaca”, uma máquina que reproduz o sistema digestivo humano e gera fezes— criou a sua obra de arte com vontade própria tatuando numa sequência de sábados entre 2006 e 2008, como parte de uma exposição numa galeria na Suíça.

“Basicamente, eu queria fazer uma colagem de todos os memes mais populares de tatuagem, como a Virgem Maria e a caveira”, afirma Delvoye, em entrevista por vídeo, sobre a composição da tatuagem. "Mas tive de negociar um pouco. Eu queria tatuar um nome, ele não queria aquele nome. Eu queria a Virgem Maria e ele disse OK."

A obra "Tim" em exibição no museu Mona, na Tasmânia - Wim Delvoye / divulgação

Batizada “Tim”, a obra foi uma progressão do fascínio do artista por tatuagens, que vem desde seus 12 anos, ele conta, e de um trabalho anterior, no qual sedava porcos e os tatuava em sessões de duas horas com motivos comuns como caravelas, águias, peixes e imagens de Jesus Cristo segurando um sagrado coração.

“A ideia é que você cultive a arte ao invés de produzir”, afirma ele sobre os suínos, criados numa fazenda na China, acrescentando que os deixava crescer enquanto elaborava os desenhos. “A obra finalizada, uma grande pele na parede, é algo que você cultiva por dois, três, quatro anos depois de iniciar o projeto.”

Por levar um longo período para ser feita e por exigir exímia habilidade manual, o artista diz considerar a tatuagem uma forma de arte. Mas hábeis mesmo tiveram de ser os advogados responsáveis por amarrar o negócio da venda de “Tim”, comprado em 2008 por Rik Reinking, um colecionador de Munique, ao preço de € 150 mil, dos quais um terço foi embolsado pela própria obra de arte.

Como as leis europeias proíbem a venda de órgãos —a pele é o maior órgão do corpo humano—, o contrato estipula que Steiner precisa passar seis dias por ano na casa de seu colecionador, e que, quando ele morrer, Reinking ficará com a pele tatuada, à vontade para emoldurar e pendurar na parede.

Além disso, afirma o artista, Steiner pode ser exposto em instituições de arte, sentado e sem camisa, recebendo uma diária por cada turno de trabalho. Desde 2006, "Tim" já rodou por galerias, museus e feiras de arte na Europa, na Ásia e na Oceania —incluindo uma aparição de algumas horas no Louvre, em Paris.

Em algumas ocasiões, ele foi exposto ao lados dos porcos tatuados. Sua exibição mais recente foi na Tasmânia, na Austrália, onde passou um ano todo à mostra no museu Mona, na cidade de Hobart, em turnos de cinco horas diárias.

"Sente-se à mesa, com as pernas penduradas, costas retas e segurando seus joelhos por 15 minutos —é difícil", disse Steiner em entrevista à BBC. "Eu fiz isso por 1.500 horas. Foi, de longe, a experiência mais exageradamente intensa da minha vida.”

A trajetória peculiar dessa obra de arte serviu como ponto de partida para a cineasta tunisiana Kaouther Ben Hania dirigir o longa “O Homem que Vendeu Sua Pele”, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro na cerimônia deste domingo e com previsão de chegar às salas de cinema do Brasil em agosto.

O filme acrescenta a discussão sobre a crise dos refugiados na Europa a uma história já carregada de questões do mundo da arte. No roteiro, o tatuado é um jovem imigrante sírio que foge da guerra em seu país e tenta se estabelecer em Bruxelas, onde sua amada mora num casamento arranjado com o marido diplomata.

O protagonista só consegue entrar e permanecer na Europa graças a um artista contemporâneo valorizado no circuito que tatua as suas costas com o desenho gigante de um passaporte com um visto para a zona de Schengen, transformando o refugiado numa peça de museu —e de leilões.

Por seu papel como personagem principal, o síro Yahya Mahayni ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Cinema de Veneza do ano passado. Sua atuação é realmente a única coisa boa num filme com tipos caricatos e diálogos rasos, que não está à altura das complexas questões que levanta.

Delvoye, o artista belga, faz uma rápida participação no longa, no papel de um corretor de seguros de obras de arte. Na vida real, ele afirma, com uma dose de ironia, sua obra “Tim” é também um comentário sobre o mercado na qual se insere.

“Milhares de pessoas estão tatuando milhares de outras pessoas todos os dias, mas a venda dele é o que deu a Tim um passaporte para o mundo da arte. Nos dias de hoje, o mundo é tão doente e tão capitalista que arte é só o que as pessoas compram e vendem. É triste.”

Arte com vontade própria

  • No final dos anos 1990, o artista espanhol Santiago Serra tatuou uma linha com 2,5 metros de comprimento nas costas de seis garotos pobres de Havana, pagos para terem a pele marcada; postos lado a lado, é possível ver toda a extensão do fio preto
  • Um dos trabalhos que inspirou Wim Delvoye, ele conta, foi uma performance de 1967 da dupla Gilbert e George, na qual eles faziam aparições públicas disfarçados de estátuas vivas. Vestidos com ternos idênticos e com os rostos cobertos por uma pátina metálica, visitavam museus e galerias, em uma alusão à arte de rua esnobada por instituições de arte
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