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Eva Wilma deixou marca de excelência na galeria de papéis de novelas

Melhor para o Brasil que parceria com Hitchcok não tenha firmado, já que pudemos ver seu trabalho na TV e no teatro

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Em uma fotografia de 1942, a pequena Eva Wilma sorri para a câmera, enquanto se equilibra sobre a ponta dos pés, vestida de bailarina. Sobre a imagem, a garota, então aos nove anos, escreveu para si mesma: “Esperando ser brilhante minha carreira, deixo aqui uma recordação do início desta”.

A profecia se concretizou, ainda que pela metade —Eva pode não ter se tornado uma grande bailarina clássica, mas de fato construiu uma carreira “brilhante” no campo artístico que o destino lhe reservou: a atuação. Foi uma das nossas melhores e mais celebradas atrizes.

É muito provável que, na memória coletiva, ela seja para sempre lembrada como a vilã Altiva, da novela “A Indomada”, de 1997. E não há de ser exatamente uma lembrança injusta: de fato, a megera de Greenville foi uma das personagens mais impactantes da vasta galeria dessa enorme atriz brasileira.

Mas embora sua trajetória tenha tido uma porção de vilãs, não foi essa a tônica da carreira de Eva. Sua persona artística era de outra natureza: passava a imagem de uma pessoa íntegra, digna, equilibrada.

Um pouco como a Hilda de “Pedra sobre Pedra” (1992), a Teresa de “Pátria Minha” (1994) ou a Marietta de “O Rei do Gado” (1996). Ou, mais ainda, como a doutora Marta, do seriado “Mulher”, de 1998, personagem-súmula do significado de Eva enquanto atriz no imaginário do brasileiro: o de uma mulher doce, ponderada, humana.

Claro, os papéis mais expansivos também eram dominados pela atriz —as personagens de “De Quina pra Lua”, de 1985, “Sassaricando”, de 1987, e "Fina Estampa", de 2011, são exemplares do quanto Eva trazia também o talento para a extroversão, que se traduzia em uma enorme vitalidade em cena.

Aliás, Eva era chamada pelos mais próximos de Vivinha, e foi o avô da atriz quem pela primeira vez a chamou por essa alcunha, referindo-se justamente à vivacidade da garota. Certamente ele reparou nos olhos da menina —grandes, atentos, sempre muito comunicativos. E que seriam, aliás, seus dois maiores aliados na arte de interpretar: falavam quase tanto quanto sua boca.

Mas a voz e a eloquência para articular palavras também eram muito marcantes em Eva Wilma. No comecinho da carreira, a atriz se achava (com certa razão) “esganiçada” e trabalhou duro para modular melhor sua forma de falar. Conseguiu resultados mais do que satisfatórios: iria se tornar uma das nossas atrizes com a melhor capacidade de locução —era sempre um prazer ouvir a atriz falando, fosse um texto decorado ou alguma história pessoal. Sua voz trazia algo de reconfortante, acolhedor.

Entre 1973 e 1976, fez três novelas na Tupi que ganhariam remakes muito bem-sucedidos na Globo: “Mulheres de Areia”, “A Barba Azul” (que viraria “A Gata Comeu”) e “A Viagem”. Se os produtores viram possibilidade de êxito em refilmagens, não há de ter sido apenas pela qualidade das intrigas de Ivani Ribeiro: a presença de Eva certamente deve ter ajudado a convencê-los sobre o quanto aquelas tramas poderiam render produtos com excelência artística.

Porque essa era uma marca do trabalho de Eva: a excelência. E a entrega de uma personalidade própria aos papéis, que sempre ganhavam uma fisicalidade muito específica quando desempenhados pela atriz. É impossível comparar, por exemplo, suas gêmeas Ruth e Raquel, de “Mulheres de Areia”, com as interpretadas (também magistralmente) por Gloria Pires no remake de 1992. Vivida por Eva, qualquer personagem ganhava uma singularidade que a colocava fora do âmbito de qualquer tipo de cotejo.

A atriz gostava de relembrar que quase foi parar em um filme de Alfred Hitchcock, mas a parceria não se concretizou. E talvez tenha sido melhor assim: Eva sempre teve uma figura essencialmente terrena, concreta –não tinha o caráter etéreo que costumava ser fundamental às heroínas hitchcockianas.

Melhor para a gente que não tenha ido a Hollywood, já que pudemos conferir seu trabalho com assiduidade na TV e no teatro. No cinema, apareceu menos, mas quem precisa fazer muitos filmes quando se tem no currículo um longa como “São Paulo S.A.”, de 1965? Além de ser lembrada para sempre pelo seu talento descomunal, Eva também entrou para a história da arte brasileira por protagonizar um de nossos maiores filmes.

Página de contato de 'São Paulo S/A', de 1965, filme de Luis Sérgio Person
Página de contato de 'São Paulo S/A', de 1965, filme de Luis Sérgio Person - Divulgação
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